A correta interpretação do Concílio Vaticano II: John Henry Newman, Beato Charles de Foucauld, Edith Stein e São Josemaría Escrivá.
Penso que esses quatro santos são peças importantes para a compreensão das linhas gerais do Concílio. Veja:
(1) Edith Stein resume em si mesma o que nos foi proposto pelo Concílio: santidade de vida, um conhecimento profundo da tradição católica e o diálogo com a modernidade. Ela deu o critério: “São Paulo dizia: “Examinai tudo e retei o que é bom”. Só pode examinar tudo quem possui um critério. Nós temos esse critério em nossa fé e na rica herança de nossos grandes pensadores católicos: Padres e Doutores da Igreja. Quem tornou sua a visão católica de mundo, sua dogmática e sua filosofia clássica, pode abordar sem perigo os resultados e os métodos de investigação dos pensadores modernos e aprender deles. Sem essa preparação (sem antes ter assimilado a visão católica de mundo), o estudo não poderá ser considerado como isento de perigos.” (Santa Edith Stein, Escritos filosóficos, v. 3); Edith Stein também está presente com seu pensamento eclesiológico nas entrelinhas do Concílio: “Nunca gostei de pensar que a misericórdia de Deus fosse apenas aos confins da Igreja visível. Deus é a verdade. Quem procura a verdade procura Deus, quer o saiba ou não”. Nessa frase de Edith Stein encontramos o ponto de partida para interpretar e sistematizar a eclesiologia conciliar. No labirinto da vida, ela viveu o anúncio e o diálogo. Prova disso é que sua madrinha de Batismo, Hedwige Conrad–Martius, uma renomada filósofa da época, é uma cristã luterana!;
(2) Antecipando-se também ao Concílio Vaticano II, São Josemaria Escrivá recordou o chamamento universal à santidade e ao apostolado na Igreja, inaugurando uma nova espiritualidade, que se poderia apelidar de secular, ou laical. De fato, as coisas do mundo, como a família e o trabalho, a política e a economia, a escola, a cultura, entre muitas outras, não devem ser consideradas como obstáculos à perfeição da caridade, nem sequer como realidades profanas, mas matérias santificáveis por aqueles cristãos que o Senhor chama para que se santifiquem no mundo e através do próprio mundo. Neste sentido, é bem moderna a espiritualidade proposta por ele. Como Newman, São Josemaria Escrivá antecipou-se à teologia do laicato, que depois caracterizou a Igreja do Concílio e do pós-Concílio. O próprio Mons. J. Escrivá, numa entrevista de 1968, respondeu: “Uma das minhas maiores alegrias foi precisamente ver como o Concílio Vaticano II proclamou com grande clareza a vocação divina do laicado. Sem jactância alguma, devo dizer que, pelo que se refere ao nosso espírito, o Concílio não significou um convite a mudar, antes, pelo contrário, confirmou o que – pela graça de Deus – vínhamos vivendo e ensinando há muitos anos.” Sua proposta foi clara: uma união surpreendente de absoluta fidelidade à grande tradição da Igreja e à sua fé, e, ao mesmo tempo, uma abertura a todos os desafios deste mundo. Para Escrivá, devemos ajudar a purificar e corrigir o pensamento moderno, para defesa e serviço de Jesus Cristo e da sua Igreja; procurar fazer compreender aos católicos que nenhuma diferença de costumes, raças ou línguas pode separar os que são um em Cristo Jesus; tratar com delicada caridade todas as almas, sem distinção de estirpe ou credos – dentro da ordem devida –, aproximando-as de Deus nosso Senhor com a luz e o calor da nossa vida cristã (apostolado da amizade); cooperaremos para criar um ambiente de serenidade, de limpeza e de compreensão nas relações internacionais, fruto do labor do Espírito Santo nas mentes e na vida dos estadistas, e que trará a paz e o bem-estar aos povos” (Cf. São Josemaria Escrivá, Instrucción V-1935/IX-1950, n. 96.62);
(3) O Beato Charles de Foucauld também antecipou as instruções do Concílio Vaticano II de abertura e diálogo com o mundo, as religiões e as culturas. Sua escolha de vida foi ser irmão universal no coração do Saara entre os muçulmanos e os povos tuaregues. Foi viver como pobre nas periferias entre os últimos, numa atitude de escuta e na prática do apostolado da amizade e da bondade foi seu grande legado missionário. Seu percurso espiritual é marcado por inquietações e buscas pelo amor a Jesus, escuta aos Evangelhos, deserto, adoração eucarística, silêncio, experiência da gratuidade do amor de Deus, fraternidade universal e proximidade com os pobres. Isso está tudo no Concílio;
(4) Como figura fascinadora do Movimento de Oxford, e mais tarde como promotor duma renovação autêntica na Igreja Católica, Newman parece ter especial vocação ecumênica não só para o próprio país mas até para a Igreja inteira. Insistindo em “que a Igreja deve estar preparada para os convertidos, assim como os convertidos para a Igreja” (J. H. Newman), já ele antecipou em certa medida, na sua vasta visão teológica, um dos temas fundamentais e das orientações do Concílio Vaticano II, como também da Igreja do período pós-conciliar. A doutrina de Newman sobre a consciência tornou-se o fundamento do personalismo teológico conciliar. Newman também prefigurou a Dignitatis humanae, que pode ser melhor compreendida à luz de seus ensinamentos, e lançou as bases da teologia do laicato. Seus estudos sobre o desenvolvimento da doutrina cristã influenciaram fortemente o Concílio. Ele também ressaltou a importância de um retorno profundo aos Padres da Igreja e à teologia patrística e estimulou o diálogo entre a fé, a razão e as ciências. Newman também destacou a importância da independência da Igreja em relação ao Estado. Os anos de pesquisa para escrever “The arians of fourth century” marcaram de certa forma a experiência e o pensamento do autor, sobretudo no que respeita à relação entre Estado e Igreja. Ele passou a reclamar a autoridade e a independência saudável da Igreja em relação ao Estado. As linhas gerais do Concílio estão todas aí, nos quatro santos.
Autor: Daniel Fernandes
Texto extraído do Facebook.