II. Deus na Maternidade de Maria

A realidade é que essas pessoas não conseguem ter humildade suficiente para aceitar o que diz o Evangelho sobre Cristo. Tal fé não compreende a plenitude do mistério da Encarnação, o mistério pelo qual, veio a nossa Salvação. Criando tais confusões, essas pessoas não só ferem a Bíblia, como ferem a compreensão primeva dos cristãos sobre a Maternidade Mariana.

Como faria Chesterton, vamos apelar para o denominador comum. No Evangelho da infância de Jesus Cristo – os primeiros capítulos do livro de São Lucas -, é relatado que Maria viajou “apressadamente às montanhas para uma cidade de Judá”. Um fato tipológico interessante é que, em II Samuel 6, após os eventos da morte de Oza, a Arca foi levada para a casa de Obed-Edom, até que fosse transportada para a Judeia, como inicialmente desejava fazer Davi (II Samuel 6,2). Isso só ressalta a tipologia entre Maria e a Arca: as duas fizeram o mesmo trajeto de viagem. Não só isso, ao chegar na casa de Zacarias e saudar Isabel – dizer um simples “olá, minha parenta” – Isabel ficou “cheia do Espírito Santo, [e] exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendita é o fruto do teu ventre! Donde me vem a honra de que a Mãe do Meu Senhor venha a mim?” – saudação esta que, segundo Santo Ambrósio, foi feita primeiramente à Virgem e por ela, a Cristo. Ainda em II Samuel 6, Davi pronunciou, por ter tido medo após ver a morte de Oza: “como virá a mim a Arca do Senhor?” – outra tipologia entre os dois eventos. No entanto, Isabel regozijava pelo que Davi anseiava: ter consigo a presença do Senhor!

Não só isso, mas é notável que a presença de Maria realizou prodígios, pela ação do Espírito Santo, na casa de Zacarias. Isabel ficou cheia do Espírito Santo ao responder a saudação da Virgem. Maria encheu-se de júbilo e pronunciou o seu cântico – “Magnificat anima mea Dominum” – “minha alma engrandece o Senhor”. João Batista saltou de alegria no ventre de Isabel, assim como, em II Samuel 6, v. 14, Davi dançou “na presença do Senhor”, isto é, junto da Arca que havia chegado em Judá. No v.11 deste capítulo, é dito que o Senhor abençoou a casa de Obed-Edom, durante os três meses que a Arca ficou lá. Maria também ficou três meses na casa de Isabel (São Lucas 1,56), e evidentemente, Deus abençoou aquela casa. Após isso, a Arca foi introduzida, já no reinado de Salomão, no Templo, onde a glória de Deus se manifestou, enchendo a casa com Sua Glória de modo que ninguém podia continuar suas funções (I Reis 9,1-12). Maria, após retornar para sua casa, deu à luz o Filho de Deus, e o apresentou no Templo, onde Deus se manifestou na profecia de Simeão (São Lucas 2,21-22.29-35).

Por isso, chamamos a Virgem Maria de Mãe de Deus, como afirmaram os cristãos na oração Sub Tuum Præsidium: “à vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus”, já no terceiro século. Pois eles já entendiam que, se Maria é uma mulher qualquer, a presença de Deus não influi em nada nos lugares onde se faz presente.

Todos nós, cristãos em geral, falamos da Presença de Deus. A espiritualidade contemplativa de algumas ordens religiosas incentiva a oração contemplativa e silenciosa, que busca esta mesma Presença. Tanto queremos ser tocados por esta Presença, tanto nós católicos quanto os protestantes, sendo que os últimos ignoram esses relatos bíblicos tão gloriosos: o Deus infinito encarnado no ventre de uma Virgem, fazendo maravilhas! Quem não gostaria de dar um telefonema para Maria e dizer: “venha aqui em casa, preciso da Presença de Deus!”

Porém é comum ver protestantes escandalizados com o título “Mãe de Deus”, com a objeção: como pode a Criatura dar origem ao Criador? A resposta é que ninguém nunca quis afirmar isso, além de você, meu querido. Pois, uma vez que o Verbo se fez carne, pelo seio da Virgem, de quem ela foi Mãe? Ele não deixou de ser Deus, mas tomou para si a humanidade, esvaziando-se e tornando-se como nós somos: humanos, em solidariedade (Filipenses 2,7). Cristo, ao mesmo tempo que era Deus, era também homem, e essas duas Naturezas nunca entraram em contenda, eram perfeitamente harmonizadas e sem mistura – 100% Homem e 100% Deus. O que significa, portanto, dizer que Maria é a Mãe de Deus? Que o Filho gerado nela era Deus, não que ela deu origem ao Eterno – o que todo cristão, por mais ignorante, sabe.

Ah, então ela foi Mãe apenas da parte humana de Jesus, já que não a originou?” Claro que não, pois Jesus não teve confusão em Suas Naturezas. O Deus era homem, o homem era Deus e, sendo Mãe de um, era Mãe de outro. Mesmo que você tenha material genético do seu pai, ainda é filho de sua mãe. Portanto, Jesus se fez como nós, até no ponto de ter um pai e uma mãe – imagine só o tamanho da missão de criar e educar o próprio Deus! Sendo assim, desprezaria ele Seu pai e Sua Mãe? Não.

Mas, de fato, Ele disse que qualquer um era Seu irmão, irmã e mãe, apenas fazendo sua vontade. Isso significaria que “o amor de qualquer um vale o mesmo”? – eu já ouvi uma senhora dizer isso em alto e bom som, dirigindo-se a mim. E a resposta é não. Como eu sei? Simples: tenta dizer isso pra sua mãe. Não soa muito legal, não é mesmo? Então, por que Jesus diria isso? Por que Ele iria que desprezar Sua Mãe? Descumpriria Deus os Seus próprios Mandamentos, desonrando Sua Mãe? Obviamente não, pois Deus não é homem para que se contradiga, muito menos Jesus era um pecador para cometer tal infâmia. Sendo assim, se Maria é uma mulher qualquer, Deus descumpriu Seus próprios Mandamentos, desonrando Sua Mãe.

O interessante é que essa senhora falava que “o amor de mãe é o amor mais próximo do amor do Senhor!” Eu resolvi aproveitar para alfinetá-la com uma dose de verdade, e cheio de alegria, disse: “até porque quem amou a Deus perfeitamente… foi uma Mãe!” – ela logo ficou meio exaltada, e eu tive que me calar, porque estava numericamente em desvantagem. A vida tem dessas, mas ela não soube ouvir a verdade que ela mesmo proferia. Outro ditado que ouvi a irmã dessa senhora proferir certa vez: “quem não gosta de minha mãe, não gosta de mim”. E, pelo visto, ela tem um certo desprezo velado por Jesus, já que despreza – sem saber – Sua Mãe, segundo seu próprio critério.

Ora, se nós não temos sangue de cobra para aguentar a mínima ofensa contra nossa mãe, por que Deus teria!? Não compreendendo a extensão plena da humanidade de Cristo, que se fez servo como nós (Filipenses 2,7), certos ditos cristãos reduzem a extensão desta, incorrendo em heresia velada, pois um ponto fundamental da visão cristã é que “o Verbo se fez carne”, isto é, sofreu o mesmo que nós, contudo sem pecado (Hebreus 4,15). É vital compreender isto, ou criaremos infinitas confusões que não condizem nem com as Escrituras, nem com a compreensão cristológica dos primeiros cristãos, nem dos Pais da Igreja. E antes que venham aqueles que os acusam, saibam que eles são a mesma Igreja primitiva que vocês dizem ser livre dos “erros romanistas”.

III. Deus na Vida de Maria

Alguns anticatólicos citam dois versículos em específico, como o último prego no caixão dos “erros do catolicismo” no quesito mariano: Evangelho de São Lucas, cap. 11, versículos 27 e 28. Segue a leitura:

Enquanto ele assim falava, uma mulher levantou a voz do meio do povo e lhe disse: ‘Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram!’. Mas Jesus replicou: ‘Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a observam!’”

É necessário admitir que a compreensão desse trecho do Evangelho pode ser de difícil compreensão, mas é necessário interpretar a Escritura em coesão com as demais verdades da fé (CIC §114), ou como diriam os protestantes mais tradicionais, tota scriptura. Vejamos então o que diz o contexto.

Jesus estava pregando, quando alguém repentinamente exalta a figura de Maria pelo mero aspecto físico. Ela mentiu? Não, pois isso ressoa com o mesmo Evangelho de Lucas: “bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”, dito por uma Isabel cheia do Espírito Santo! Mas Jesus diz algo fascinante: antes bem-aventurados os que ouvem a Palavra de Deus e a observam.

Quem mais guardaria a Palavra de Deus do que Sua Mãe Imaculada? O mesmo Evangelho dá pistas disso, ao relatar que Maria guardava tudo em seu coração, meditando no que acontecia (Lucas 1, 19.51). Ou seja, a objeção foi um clássico caso de “meter os pés pelas mãos”: antes Jesus exaltou a figura de Maria mais ainda! Maria não é só bendita por ter sido a portadora do Salvador (Theotókos, Mãe de Deus), afinal de contas isso de nada teria valido se ela não fosse frutífera em obras e fé, segundo o grande São João Crisóstomo. O venerável Beda diz que por ser a ministra do Verbo encarnado, Maria é bendita; mas ainda mais bendita para a guardiã eterna do mesmo Verbo – isto é, para frutificar!

Que frutos de obras e fé eram esses, afinal? “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua Palavra” – com esse Fiat virginal, a desobediência de Eva foi desfeita! Isso nos aponta Santo Irineu de Lião, pois assim como Eva trouxe a perdição para o primeiro Adão por desobedecer, Maria trouxe ao mundo a Salvação do Segundo Adão por obedecer. Eis o mistério da nossa fé: uma virgem, por sua humildade, trouxe ao mundo a salvação. Todas as graças que nos santificam passaram por seu ventre, que foi o Paraíso para aquele segundo Adão, para a verdadeira Árvore da Vida, como aponta S. Luís de Montfort.

Após percorrer as evidências sobre a vida de Maria, podemos concluir que se Maria é uma mulher qualquer, Deus não influi em nada nos lugares onde se faz presente.

Maria só engrandece ao Senhor em tudo o que ela é. Se alguém insiste em afirmá-la como barriga de aluguel, saiba que você é casa de aluguel, e não habitação comprada pelo Sangue de Cristo, já que a Sua Própria Mãe – salva por modos extraordinários e escolhida para uma missão única – não pode ser chamada assim. Por que vamos contender com o texto bíblico e procurar criar malabarismos para o que nos é claro, mesmo sob a expressividade sublime da Sagrada Escritura? Donde veio a Isabel vir a ela a Mãe de Seu Senhor? Não diz as Sagradas Letras que a Virgem concebeu? Por que vamos insistir em desonrar a relação mais íntima que Deus teve com um ser humano, isto é, ser gerado em um ventre virginal? Por acaso Deus tinha o Seu Templo e o Monte Sião como habitações de aluguel? Não é isso que vemos nos Salmos.

É fato de que a Bíblia não quis revelar muito sobre a vida de Maria. Imagina se tivesse: com o pouco que temos, já podemos inferir tanto. Pode ser novidade para muitos, mas isso ressoa com as verdades totais da Bíblia, com um contexto completo do mistério da nossa Salvação. O puro não pode ser tirado do impuro (Jó 14,4) e Deus habitou da mesma maneira que habitou na Arca, em Maria. Ela não teria sobrevivido sem essa pureza. A Imaculada Conceição pode parecer novidade e até uma grande mentira feita para acobertar outras mentiras, mas é necessário um grande salto de fé através da graça de Deus para compreender o mistério pelo qual Ele trouxe a Salvação ao mundo dos pecadores. Possível e conveniente para Deus, portanto Ele o fez (Beato Duns Scotus).

 

 

 

Deixe um comentário