IV. A Virgindade de Maria
Agora chegou a hora mais complicada desse assunto. Uma das grandes motivações anticatólicas é provar que Maria não foi uma virgem para sempre (Semper Virgo), algo que sempre se faz presente na doutrina católica. Acontece que, para os cristãos primitivos e até para os reformadores, é amplamente reconhecido que Maria é uma Virgem perpétua. Gostaria, antes de começar, de lembrar o princípio que descobrimos na última parte: a influência de toda essa Presença de Deus e o que isso gera.
A terra onde Jesus pisou hoje é chamada “Santa”. E quanto ao ventre que o gerou? Já vimos que Maria é santa por sua obediência e por sua maternidade. Mas, observando do ponto de vista físico, o que isso tudo gerou nela? Maria foi feita Arca da Aliança, ninguém poderia violar aquela Presença no seu ventre assim como não violaria na Arca. Jesus habitou ali, e isso gerou frutos: uma perfeita observância da Palavra de Deus, e por isso hoje proclamamos Maria bendita, como ela cantou cheia do Espírito Santo.
Então, pensemos: o que aconteceria se alguém tentasse violar esse ventre? Sabemos também que o matrimônio é uma aliança, mas esse ventre foi consagrado, escolhido mesmo antes que Maria nascesse. Servir-se dele para outro propósito o mesmo que usar os objetos santos do Tabernáculo para propósitos banais, e todo mundo sabe o que aconteceu com Baltazar quando ele fez isso. Há mais do que os olhos podem ver, há coisas que só a fé pode ver.
Um texto usado como objeção muitas vezes é Mateus 1, 25: “e não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus”. Muitos olham para isso como se José tivesse se mantido em celibato apenas durante a gestação de Maria, mas há muitas evidências desse termo (heos) na Bíblia que mostram algo diferente.
Ao ser enviado para Roma,Paulo deveria ficar sobre custódia até que fosse mandado para César. Porém, ele foi mantido em custódia durante a viagem(Atos 27,1) e após a viagem, quando ele chegou em Roma (Atos 29,16). A ação da cláusula principal não cessou depois do momento que estava sob elemento condicional “ até ”. Jesus nos mandou perguntar “até” setenta vezes sete”, e depois disso você para de perdoar? O mesmo Jesus disse que estaria conosco até a consumação dos séculos, depois disso Ele vai nos abandonar?
No grego, heos (concordância Strong #2193) é uma “conjunção, advérbio e preposição de continuidade”. Ainda em Mateus, uma outra que reforça isso (27,8) fala que o campo comprado com as 30 moedas de prata dadas a Judas era chamado “ ainda hoje [heos], Campo de Sangue ” – então o campo deve ter mudado de nome depois que Mateus escreveu o texto.
A explicação para isso está nos versos 22 e 23 do mesmo capítulo: “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel (Is 7,14), que significa: Deus conosco”.
E essa não é a única evidência que temos. O casamento judaico possuía três fases : I)a noiva escolheria seu noivo e seu pai assinaria um contrato com ele, que teria que pagar uma certa quantia em um prazo máximo de sete anos; II)após o pagamento, os dois consumavam o casamento em relação sexual; III) a festa de casamento. Isso é visto no casamento de Isaque e Rebeca, e no casamento de Jacó com as filhas de seu tio Labão.
José se casou sem a segunda parte do ato, o que indica que ele teria permanecido casto, ideia esta reforçada pela fala do anjo no seu sonho: “ José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa” – não só Maria era uma possível adúltera, mas também o casamento teria de ser inteiramente casto.
Tendo em vista que Maria era eterna guardiã do Verbo Divino, o seu ventre não poderia ser violado, já que foi santificado para Deus por completo e para sempre. Alguém pode até dizer: “mas a Virgindade foi rompida no nascimento de Cristo” – isso, na verdade, pouco importa. O que sabemos é que ela nunca teve relação sexual com homem algum, isto é, permaneceu Virgem. E qual a dificuldade que o próprio Deus teria de preservar a Virgindade de Sua Mãe ao dar à luz? Não seria isto um meio mais conveniente? Conveniente e possível: fato ocorrido. A Igreja sempre interpretou que a Virgem permaneceu como tal mesmo dando à luz, e grandes Doutores – para citar apenas dois, Agostinho e Leão Magno – também. Outros nem falaram do assunto.
“Mas a Bíblia diz que ela teve filhos! Até cita nomes!” – vejamos. O primeiro texto citado será Mateus 12,46-50: “‘Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te’ Jesus respondeu-lhe: ‘Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?’ E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: ‘Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’”. Se você observar bem, esse texto possui uma ideia bem parecida com Lucas 11,27-28. Como diria São Paulo, não é a circuncisão – esta de nada vale, mas a fé que atua pelo amor (Gálatas 5,6).
O segundo texto seria Mateus 13, que também se repete em Marcos 6: “Foi para a sua cidade e ensinava na sinagoga, de modo que todos diziam admirados: ‘Donde lhe vem esta sabedoria e esta força miraculosa? Não é este o filho do carpinteiro? Não é Maria sua mãe? Não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs, não vivem todas entre nós? Donde lhe vem, pois, tudo isso?’. E não sabiam o que dizer dele. Disse-lhes, porém, Jesus: ‘É só em sua pátria e em sua família que um profeta é menosprezado’. E, por causa da falta de confiança deles, operou ali poucos milagres”.
De fato, os israelitas não criam n’Ele, e muito menos seus irmãos (João 7,5). Mas vamos analisar a evidência desses quatro nomes. É importante entender que o aramaico (língua falada nos tempos de Jesus) não distinguia parentescos como fazemos. Um “pai” poderia ser um ancestral de milhares de anos – exemplo: “Jesus, filho de Abraão, filho de Davi”; e “irmão” poderia também ser o que chamamos de “primos”. Um fator que pode ter levado a isso, nos Evangelhos, é a escolha do grego koiné, que era um dialeto comum usado como língua franca – isto é, o mesmo que o inglês é hoje. É bem provável que houve alguma inculturação.
E temos um exemplo simples, Gênesis 13,8: “E disse Abrão a Ló: Ora, não haja contenda entre mim e ti, e entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos irmãos” (Almeida Corrigida Fiel). E a Almeida Revisada muda para “parentes chegados”. A tradução grega do AT usa o termo para irmãos – adelphoí, e o latim também – fratres. Adelphoí também é usado para os irmãos de Jesus. Vemos que o uso desse termo não prova nada.
Mas não paramos por aí. Esses quatro nomes – Judas, José, Tiago e Simão, podem ser usados para provar ainda mais a minha afirmação. Gostaria de citar um texto de um outro blog protestante:
Obs: texto original.
(1) Tiago, o filho de Zebedeu, é um dos doze APÓSTOLOs escolhidos e nomeados por Cristo (Mt 10:2), é irmão do apóstolo João (Mt 10:2) (à parte do qual nunca é mencionado). Juntamente com este e com Pedro, foi especialmente íntimo do Senhor Jesus (Mt 17:1; Mr 5:37; 9:2; 14:33), e foi martirizado por Herodes (At 12:2).
(2) Tiago, o filho de Alfeu (ou Cléopas, ou Clopas) e de Maria (a irmã de Maria, a mãe de Jesus, Jo 19:25), é primo de Jesus, é um dos doze APÓSTOLOs escolhidos e nomeados por Cristo (Mt 10:3), é irmão de José (Mr 15:40), e é chamado de “Tiago, o Menor” (em estatura) (Mr 15:40).
(3) Tiago, o IRMÃO DO SENHOR (Mt 13:55; Mr 6:3; Gl 1:19 (NÃO está escrito que este Tiago é apóstolo!¹)). Tal como todos os irmãos de Jesus, não creu nEste durante Sua vida na terra (Mr 3:21; Jo 7:5), andou enciumado e antagonizando-O (Jo 7:3-8) e longe dEle (Mr 3:31-32), mas, após a ressurreição, Cristo lhe apareceu (1Co 15:7) e, somente então, ele e todos seus irmãos se arrependeram, creram, e ajuntaram-se aos discípulos (Acts 1:14). Veio a ser o líder da assembleia em Jerusalém (At 12:17; 15:13; 21:18; Gl 1:19; 2:9,12).
(4) Tiago, irmão do apóstolo Judas (Lc 6:16; At 1:13). Este Tiago não é apóstolo, nem é irmão de Jesus (porque este Judas não é irmão de Jesus, nota Mt 10:4). Fonte: Sola Scriptura-TT
1)Na verdade, está. “Dos outros apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do Senhor” (Gálatas 1,19).
O autor do texto quer argumentar sobre qual Tiago escreveu a Epístola do Novo Testamento. Eu gostaria de usar as evidências dele. É citado um episódio que até agora não foi mencionado: a Crucificação de Jesus, pois haviam mulheres ao pés da Cruz, inclusive Sua Mãe. Há uma personagem crucial para nossa afirmação.
“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena.” (João 19,25)
“Entre elas se achavam Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.” (Mateus 27,56)
“Achavam-se ali também umas mulheres, observando de longe, entre as quais Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de José, e Salomé”. (Marcos 15,40)
Apenas um dos Evangelhos cita Maria, “sua mãe”: o Evangelho de João. As outras são citadas por Lucas (23,49) “as mulheres que o tinham seguido desde a Galileia”, e estas se conservaram a certa distância. Vemos que há outras Marias além de Nossa Senhora.
Uma dessas Marias é bem importante: em João, ela é irmã da Mãe de Deus; em Mateus, ela é a mãe de Tiago e de José; e em Marcos, é mãe de Tiago, o Menor (o filho de Alfeu), José e Salomé. Judas Tadeu, o apóstolo, é irmão de Tiago e filho de Alfeu (Lucas 6,13). Juntando as peças:
Tiago e José são filhos de Maria, irmã da Mãe de Deus. O venerável Beda (in Marcum 4, 44) chama Tiago de “filho de Maria, tia do Senhor”.
Ela também é mãe de Tiago o Menor e de seu irmão Judas, ambos dos Doze
Portanto, os quatro “irmãos” citados em Mateus 13 e Marcos 6 são filhos da irmã de Nossa Senhora.
É claro que há outras interpretações possíveis. Hegésipo afirmou que José e Cléofas eram irmãos, e isso faz sentido, já que os judeus se casavam entre parentes próximos. Outros dizem que José era viúvo e desposou uma jovem, o que explicaria sua aparente morte sendo Jesus ainda novo. E há a tese de um José jovem e casto, como disse Fulton Sheen: foi pela virtude da graça que José foi casto, não pela fraqueza da idade.
Mas que diferença isso faz? É simples: se Maria é uma mulher qualquer, Deus faz pouca diferença na vida de quem escolhe. Se Maria, chamada cheia de graça, bendita entre as mulheres, cuja alma exalta o Senhor, é uma mulher ordinária, e quanto a nós, servos infiéis e pecadores? Ao insistir nessa ideia, colocamos o próprio Espírito Santo debaixo de um olhar de desprezo, pois Ele encontrou Sua Fecundidade em Maria, como explica São Luís de Montfort. Se a guardiã eterna e consagrada do Verbo Divino não é jardim fechado de Deus (Cantares 4,12) e sem mácula (6,9), ai de nós que não somos mais do que os piores dos pecadores.
Não fazemos, ao contrário do que muitos pensam, uma reprovação ao casamento. Muito antes, o exaltamos. Deus consagra para si (Mateus 19,12) homens em celibato em favor do Seu Reino, e Maria e José foram dois destes. Para servir completamente a Deus, e não se preocupar em agradar ao cônjuge (I Coríntios 7,34), os virgens se mantém assim para que possam se dedicar por inteiro. Os que se casam, devem agradar ao cônjuge, mas é por esta via que se santificam, pois este mistério conjugal reflete Cristo e Sua amada Igreja (Efésios 5,32).