“Maria é uma mulher qualquer” – Symon Bezerra
A Santidade de Deus em Maria
Muitos dos nossos irmãos separados possuem uma visão religiosa que os obriga, em consciência, a rebaixar Maria, a Mãe de Deus, para que ela não seja exaltada demais – como se isso fosse um fantasma a rodear a teologia deles, algo que fosse repetidamente trazido à tona, mesmo que eles já tenham uma tese formada e considerada como verdade absoluta. Ouvimos frequentemente dos nossos irmãos separados frases como “Maria está morta”, “Maria não é maior que Deus” ou “não tem mais poder do que Deus” … Mas a clássica das frases, que resume a visão da maioria dos protestantes brasileiros sobre Maria, é a seguinte sentença: Maria é uma mulher qualquer.
No entanto, não vemos essa frase dita para outros personagens bíblicos, como Elias, Paulo, Pedro, Tomé, Moisés, ou até históricos, como Lutero – que já vi ser chamado “herói” em uma mera pregação de culto de retiro à noite, acreditem se quiser. Ora, Elias e Moisés estiveram diante de manifestações incríveis da presença de Deus; Tomé, Paulo e Pedro levaram o Evangelho para outros continentes. Então, por que ouvimos dizer uma frase tão caricata para a personagem que foi a protagonista da principal ação de Deus – “E a Palavra se fez carne” (São João 1,14) – na história da Salvação?
É fora da lógica ter todos os grandes personagens bíblicos sob uma visão e Maria, a escolhida por Deus para ser Sua Mãe, debaixo de outro olhar de quase desprezo. Como dizia um amigo meu – hoje postulante a monge: pequenas atitudes revelam mais do que pensamos sobre nós mesmos. E, para deixar de arrodeios, vou falar logo o ponto principal de todo este texto: se Maria é uma mulher qualquer, Deus é um qualquer. Agora, vamos às evidências.
I. Deus na Santidade de Maria
Sabemos que o nosso Deus é santo. Perante o trono de Deus, cantam os anjos, dizendo: “Santo, santo, santo é o SENHOR Todo-poderoso” (Isaías 6,3). Jesus Cristo, que nos chamou, nos chamou para sermos santos “em todas as ações” (I São Pedro 1,15). Em I Coríntios 3,16, São Paulo nos chama a nos santificarmos, pois somos “templo de Deus”, e o “Espírito de Deus habita em [nós]”.
Portanto, Deus habita na santidade. Poderia, então, um Deus santo habitar no seio pecador? Sabemos que o Filho de Deus, Segunda Pessoa da Trindade, se fez carne e foi gerado no seio da Virgem Maria pelo poder do Espírito Santo. Poderia Deus habitar no pecado, se fazer carne no pecado? É importante compreendermos que há evidências bíblicas que são encontradas por tipologia: o Antigo e o Novo Testamento postos em reflexo um do outro. Vejamos o que Deus faria nesse caso.
Em II Samuel 6, o glorioso Rei Davi estava transportando para Jerusalém, junto de uma grande tropa, a Arca da Aliança, “morada de Deus” (Catecismo da Igreja Católica), e que ficava num local do Tabernáculo chamado Santo dos Santos, onde Deus se fazia presente em realidade. No entanto, Davi cometeu um erro: a Arca deveria ser carregada por levitas – povo de uma descendência específica dentre os hebreus, isto é, os filhos de Levi, quatro deles carregando a Arca. Porém, Davi decidiu usar uma carroça para fazer isso. No meio do trajeto, um dos homens que guiava a caravana, chamado Oza, tocou a Arca, pretendendo segurá-la já que os animais iam derrubá-la da carroça. A ira de Deus se inflamou por sua “irreverência” (v.7) e o matou.
Mas Oza não tinha uma boa intenção? Não ia ele proteger um objeto construído a mando de Deus, que continha a Sua Presença em realidade? Sim. Mas Deus se inflamou de ira, pois Sua Perfeição não habita com o pecado. Deus manifestou, na Arca, a Sua Santidade, e matou Oza, mesmo que ele tivesse uma ótima intenção de proteger a Arca.
Mas vamos estudar um pouco mais sobre a mesma Arca. Deus mandou que se fizesse uma caixa de madeira de acácia (Êxodo 25,13), e lá, foram colocados: as Tábuas da Lei – a Palavra de Deus escrita pelo Seu Próprio dedo, dadas a Moisés; o Maná, o Pão do Céu; e a Vara de Arão, que segundo Hb 9,4 , é símbolo do Sacerdócio Levítico, isto é, da tribo de Levi, consagrada ao serviço para o Tabernáculo.
Maria recebeu, em seu ventre, o Filho de Deus, que é a Palavra em carne, o Pão que desceu do céu – disse Jesus em São João 6,41; e o Filho constituído Sumo Sacerdote perfeito, eternamente (Hebreus 6,28). Não só isso, mas quando a Arca foi introduzida no Tabernáculo, a Nuvem do Senhor envolveu o tabernáculo, de modo que Moisés não podia entrar (Êxodo 40,34). Maria foi coberta pela Sombra do Altíssimo, quando o Espírito Santo gerou nela o Filho de Deus, o Ungido Salvador (São Lucas 1,35).
Vemos portanto que Maria e a Arca são personagens muito similares. Assim pensavam os primeiros cristãos, como seus Pais – e nossos, os Pais da Igreja, expressavam ao chamá-la de “Arca da Nova Aliança” – um título muito bem dado, se compararmos a natureza do agir de Deus sobre os dois elementos. Veja o que disse Hipólito, no segundo século, sobre o assunto:
“Naquela época, o Salvador vindo da Virgem, a Arca, trouxe seu próprio corpo para o mundo a partir dessa Arca [isto é, a Virgem], que foi dourada com ouro puro dentro da Palavra, e sem [ouro] pelo Espírito Santo.”
Esse é um exemplo do entendimento de um venerando cristão do segundo século, pessoas da segunda ou terceira geração de cristãos, que foram educadas pelos Apóstolos ou pelos alunos deles. Não só isso, é uma realidade que reflete perfeitamente o que a Bíblia aponta sobre esse aspecto da Encarnação de Jesus Cristo, que já era refletida nos tempos da aliança antiga. Como sabemos, o Antigo Testamento é uma sombra do Novo.
Diante disso, vemos que se Maria é uma mulher qualquer, Deus não zela pela santidade de Sua Habitação.
Afirmamos que é crença obrigatória para o cristão – com o mesmo peso do “decreto” promulgado em Atos 15 (do grego, “dogma”) – que Maria é concebida sem pecado, isto é, que foi preservada do pecado desde o primeiro instante de sua existência, salva – pois sua alma exulta em Deus, o Seu Salvador (São Lucas 1,47) – de um modo especial.
Isso reflete perfeitamente o que Deus ordenou em Êxodo, para a construção do Tabernáculo, Sua própria casa no meio do povo de Israel. O livro de Êxodo possui cinco capítulos que descrevem todos os detalhes para a construção do Tabernáculo. Se Deus se aprouve em fazer, por mãos humanas, um Tabernáculo para si de acordo o que queria, por que não faria um mesmo Tabernáculo, preservado da impureza, no seio de uma virgem, por Seu próprio poder? Pois é perfeitamente possível que, pelas dádivas de Cristo, Deus redimisse de modo especial, qualquer ser humano que quisesse, pois Sua Palavra não volta para Ele sem realizar Sua Vontade (Isaías 55,11) – ou “o que lhe apraz”, segundo a ACF (tradução protestante). A Imaculada Conceição é possível e agradável para Deus, portanto é Sua Vontade que ela aconteça. Se Maria é uma mulher qualquer, Deus habita em lugar qualquer.
É importante destacar isso como fato biblicamente provado, e atestado como dogma, como proclamou o Beato Papa Pio IX em 1854: Maria deveria ser preservada do pecado em vista dos méritos de Jesus Cristo. É precisamente isso ao que o anjo se refere: “alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” – o verso 29 nos diz que Maria se perturbou, ao pensar o que significava tal saudação – o Senhor estava com ela! O Senhor não estava com qualquer uma, o Senhor estava com a cheia de graça – “kecharitomene”, do grego, parafraseado na Vulgata para “gratia plena”. Apesar de que a tradução de São Jerônimo não é literal, ela é uma perfeita paráfrase, pois é do agrado de Deus que a plenitude habite em Cristo (Colossenses 1,19), e que Cristo nascesse de Maria, que encontrou “graça diante de Deus”. Mesmo assim, alguns ainda vão mais longe em dizer que Maria foi uma mera “barriga de aluguel”, que ela não é Mãe do Cristo Deus, apenas do Humano, e uma série de confusões diversas.