Davi Leite Resende
Escrito em 21/02/2019
Editado em 02/08/2019, à ocasião do lançamento do site De Volta Ao Lar
Em 2017, o meio protestante comemorou os 500 anos da “Reforma”. A igreja protestante que eu frequentava na época começou uma classe de escola dominical a respeito do tema da reforma protestante. Eu disse a mim mesmo: “Ótimo! Isso será um estímulo para eu finalmente começar a estudar História da Igreja e entender melhor diferentes vertentes cristãs: catolicismo, ortodoxia e protestantismo”. A única coisa que eu sabia em relação à história da Igreja era que eu sabia praticamente nada a respeito da história da Igreja. As aulas na escola dominical começaram e isso me estimulou a estudar o assunto também por mim mesmo.
Logo lembrei que eu tinha no Facebook um conhecido que era ex-protestante, chamado Fábio Salgado de Carvalho, e fui dar uma vasculhada no Facebook dele. Fiquei surpreso com a seriedade e veemência com as quais ele defendia a Igreja Católica, ao mesmo tempo que estimulava os irmãos católicos na fé. Em várias postagens, ele indica a leitura de seu blogue (http://fabiosalgado.blogspot.com) e de seu relato de conversão (http://documents.scribd.com.s3.amazonaws.com/docs/6yosunehhc3mn07f.pdf).
Quando li esse relato e algumas postagens desse blog, tive, pela primeira vez na vida, a sensação de que estava lendo algo verdadeiro sobre o catolicismo. Muito diferentemente dos chavões anticatólicos que eu tinha ouvido a vida inteira, o conteúdo mostrado pelo Fábio me pareceu profundamente honesto desde o início. Tudo que eu achava que sabia a respeito do catolicismo até então era só um espantalho construído pela minha ignorância. Eu respeitava o tamanho, a historicidade e a importância atual da Igreja Católica, mas pensava o mesmo que todo protestante: “Ah, são uns idólatras, adoradores de imagens. Além disso, acreditam na salvação por obras e cometeram muitas atrocidades na Idade Média. Eles estão completamente errados!”. Infelizmente, os protestantes pensam basicamente isso; na minha opinião, a maioria esmagadora deles o faz por ignorância — no sentido estrito da palavra, ou seja, por desconhecer a doutrina da Igreja –, enquanto uma diminuta minoria o faz conscientemente por desonestidade ou birra.
A coisa que mais guardei do que li nos escritos do Fábio foi que eu deveria começar meu trajeto de estudo sobre a história da Igreja questionando se o princípio medular do protestantismo, o sola Scriptura, era possível e verdadeiro. Esse princípio, em que virtualmente todos os protestantes acreditam, consiste, de forma geral, no entendimento de que a Bíblia (a Bíblia protestante, porque existem pelos menos mais 8 cânons diferentes nas igrejas cristãs orientais, além do cânon católico) é a única e suficiente fonte de doutrina e prática cristãs. Isso significará também que a Bíblia servirá de princípio hermenêutico próprio: já que a Escritura é a única e suficiente fonte de doutrina e prática cristãs, a Escritura interpreta a Escritura, ou seja, se alguém interpreta a Escritura utilizando a própria Escritura, esta torna-se suficientemente clara e essa interpretação será correta.
Será mesmo? Será que a utilização do correto princípio hermenêutico de interpretar a Bíblia utilizando a própria Bíblia já é garantia de que uma interpretação feita por alguém será correta? Penso que não, e penso que isso é óbvio até para os protestantes. O número de coisas que podem ser ditas a respeito desses princípios protestantes acerca da natureza da Escritura e de seus métodos de interpretação é imenso, por isso apontarei apenas algumas questões que eu considerei e enfrentei no meu processo de conversão ao catolicismo. Em tempo, recomendo um breve artigo, escrito pelo Dave Armstrong e traduzido pelo Fábio, que teve muita importância no meu estudo do sola Scriptura: http://fabiosalgado.blogspot.com/2016/10/uma-rapida-refutacao-do-sola-scriptura.html.
1) Onde o sola Scriptura pode ser encontrado na Escritura? Fui atrás da resposta para essa pergunta e a resposta-padrão protestante que encontrei foi 2 Timóteo 3:16-17, onde Paulo ensina que toda Escritura é inspirada por Deus e útil, resumidamente, para preparar o homem para toda boa obra. O raciocínio é o seguinte: “Se a Escritura é útil para preparar o homem para toda boa obra, então ela é suficiente. Não preciso de qualquer outra fonte de doutrina e prática cristãs porque não há qualquer boa obra que a Escritura não me ensine a praticar”. Eu estranhei essa conclusão. Primeiramente, o que me garante que a Escritura é suficiente para me preparar para toda boa obra sem exceção e não sem distinção? Pra mim era óbvio (e continua sendo) que o apóstolo Paulo está querendo dizer que a Escritura é suficiente para nos preparar para todo tipo de boa obra e não para cada boa obra. A Escritura, de fato, é útil para preparar o homem para toda boa obra, mas em que momento esse texto está dizendo que devemos jogar fora qualquer outra coisa que nos seja útil para preparar-nos para a boa obra? É inegável que precisamos da Escritura; o erro do raciocínio está no “não preciso de mais nada”. Mesmo eu ainda sendo protestante, julguei essa resposta-padrão extremamente incompleta.
1.1) Hoje eu entendo a questão porque conheço a explicação católica sobre o assunto. A passagem de 2 Tm 3:16-17 não ensina a suficiência formal da Escritura, mas a suficiência material da Escritura. (https://www.bibliacatolica.com.br/conhecendo-a-biblia-sagrada/48/). Isso significa que todos os dogmas da fé cristã estão sim contidos na Bíblia, mas isso não significa que eles estão suficientemente claros nem que é fácil alcançar uma interpretação obviamente correta deles. A autoridade que Deus estabeleceu em Sua Escritura jamais foi contrária à autoridade que Deus estabeleceu em Sua Igreja para interpretar essa Escritura. E nem pode ser. Na época eu percebi que, onde quer que exista um texto que possui autoridade (como um texto religioso, uma lei etc.), surgem necessariamente diferentes tradições interpretativas desse texto. Em lugar algum a Escritura reclama para si a exclusividade da autoridade em matéria de doutrina e prática cristãs de modo a excluir assim a autoridade de sacerdotes que interpretam essa Escritura. Uma das coisas que mais acontecem no Novo Testamento não é exatamente Jesus e os apóstolos ampliando a interpretação do Antigo Testamento e sendo reconhecidos por sua autoridade (Mateus 7:29, Atos 2:37, Atos 4:34-35, Atos 6:1-3, Atos 15:2, todas as referências de Paulo a sua autoridade apostólica em suas cartas)?
1.2) Pensei comigo mesmo que alguém poderia objetar: “O texto de 2 Tm 3:16-17 exclui sim outras fontes de autoridade! Se a Escritura é suficiente para preparar o homem para toda boa obra, eu não preciso de qualquer outra fonte de doutrina e prática cristãs!”. Se é assim, então o mesmo vale para a purificação, pois, no capítulo anterior, em 2 Timóteo 2:21, Paulo afirma que quem se purificar – dos erros elencados por ele nos versos 14 a 19 do mesmo capítulo – será útil a Deus para toda boa obra. Isso significa que deve existir o princípio sola purificationes e que esse princípio excluirá qualquer outra autoridade (inclusive a Escritura), pois será única e suficiente fonte de doutrina e prática cristãs, já que é capaz de tornar o homem útil para toda boa obra? É evidente que não. Da mesma forma, o texto de 2 Tm 3:16-17 não quer exigir para a Escritura uma função diferente da suficiência material, isto é, a função própria de Escritura. Um texto referir-se a si mesmo não significa que ele será intérprete de si mesmo. A Igreja Católica ensina precisamente isso. A Escritura contém a revelação pública, que já está completa e não se há de esperar nada novo. Contudo, essa Revelação não está plenamente explicitada, por isso Deus vai explicitando ao Magistério da Igreja, ao longo dos séculos, as verdades contidas na Escritura. Assim o diz a imponente fonte de doutrina da Igreja, o Catecismo da Igreja Católica, nos parágrafos 66 e 67.
1.3) Pensei ainda em outra objeção: “A interpretação é muito clara sim! Se alguém não sabe interpretar a Escritura, a culpa não é minha!”. Obviamente, não adianta qualquer um se colocar num pedestal inatingível e simplesmente assumir que está certo e todos os outros estão errados. A grande questão é: como é possível saber que uma interpretação está certa e outra está errada quando ambas utilizam a Bíblia? Se todo o debate a respeito da verdade divina se resume a interpretar um texto da Bíblia, como saber onde está a verdade quando há duas opiniões opostas e ambas citam a Bíblia, cada uma interpretando-a de uma forma diferente? G. K. Chesterton percebeu que “a Bíblia por si mesma não pode ser a base do acordo quando ela é a causa do desacordo” no capítulo “Why I am a catholic” de seu livro “The Thing”, de 1929.
Essas foram algumas das perguntas fundamentais que eu me fiz em relação à interpretação das Escrituras, juntamente com todas as outras relatadas neste testemunho, e comecei a pensar que era impossível separar a resposta a essa pergunta do conceito de autoridade. Se a Escritura é assim tão clara, por que há repetidas vezes, desde o Antigo Testamento, um intermediário imbuído de autoridade que seja capaz de interpretá-la e ensiná-la aos outros (2 Crônicas 7:8-9; Esdras 7:6,10,25-26; Neemias 8:1-8; Atos 8:30-31)? Ainda, por que é que o mesmo acontece também no Novo Testamento, com nosso Senhor Jesus Cristo tendo de explicar suas parábolas (Marcos 4:33-34) e Pedro dizendo, quando equipara as cartas de Paulo à Escritura, que Paulo escreve coisas difíceis de entender (2 Pedro 3:15-16)? Aliás, não é exatamente isso que acontece em todo culto protestante? Um intermediário imbuído de autoridade que seja capaz de interpretar a Escritura e ensiná-la aos outros sobe ao púlpito para cumprir esse papel. Por que isso acontece se a Escritura é assim tão clara? Não bastaria alguém ler o texto e isso seria suficiente para todos chegarem à interpretação correta? Nessa altura, já era óbvio para mim que não existe uma só vertente do cristianismo em que a autoridade não ande junto à interpretação da Escritura, de modo que não há como dissociar as duas coisas.
1.4) De forma muito evidente (e triste), comecei a entender que a crença na capacidade quase que absoluta da Escritura se autointerpretar é o que tem criado inúmeras denominações protestantes sem unidade formal, porque qualquer um que saiba ler possui, teoricamente, a capacidade de extrair da Bíblia a interpretação correta. Me perguntei: usando somente a Bíblia, como posso saber a qual denominação protestante eu devo pertencer? Devo ser luterano, anglicano, puritano, metodista, presbiteriano, batista, assembleiano ou outro? E dentro de cada uma dessas divisões, a qual das dezenas (ou centenas) de outras divisões eu devo pertencer? Vou saber isso usando somente a Escritura? Me lembrei da quantidade de “desigrejados” que utilizam essas mesmas perguntas para, no fim das contas, pertencer a igreja nenhuma, porque o que importa é somente a Bíblia! Lamentei quando percebi isso e lamento ainda hoje. Percebi que esse era o fruto da minha própria ideologia, da ideologia que eu seguia sem entender de onde vinha. Não é à toa que, apenas 35 anos após a polêmica das 95 teses de Lutero, João Calvino entende que o melhor remédio para acabar com a desordem já presente no meio protestante seria a convocação de um concílio autoritativo para previnir que a unidade da fé fosse destruída pelas dissensões dos homens (https://www.patheos.com/blogs/davearmstrong/2017/10/john-calvin-authoritative-council-needed-to-unite-protestants.html), que é exatamente o que a Igreja Católica vem fazendo ao longo de quase dois milênios. Aproveito para recomendar o blogue do Dave Armstrong para quem sabe inglês. Esse apologista católico já publicou 50 livros e mais de 4000 artigos a respeito do cristianismo. Ele, por exemplo, comenta obras protestantes completas, trecho por trecho, como As Institutas e praticamente tudo que Martinho Lutero e João Calvino escreveram. O trabalho de Dave Armstrong é verdadeiramente espantoso.
1.5) Pensei também: o simples fato de haver, entre pessoas capazes e bem intencionadas, discordância na interpretação de inúmeras passagens bíblicas já não demonstra a insuficiência formal da Escritura? Sempre é possível fazer mais perguntas a um texto, sempre é possível criar mais dúvidas a partir de um texto. O problema é que o texto não é um ser humano vivo: não tem inteligência própria, não tem raciocínio próprio, não tem boca ou outros meios de transmitir seus pensamentos. O texto é um registro estático, então é óbvio que, mais cedo ou mais tarde, haverá perguntas que o texto não será capaz de responder porque o autor dele simplesmente nunca se propôs a respondê-las nele. O cristianismo nunca foi uma “religião do livro”; ele sempre foi e sempre será uma religião do testemunho, do Espírito que fala por meio das pessoas e dos escritos, uma religião em que a maior revelação não é a Escritura, mas o próprio Jesus, a Encarnação do Verbo Divino.
2) Eu tinha mais perguntas: onde estão os originais inspirados? Quando há divergências entre os manuscritos que referem-se à mesma passagem da Escritura, qual manuscrito possui o texto inspirado e qual não o possui?
2.1) Onde eu posso encontrar na Bíblia o significado de todas as palavras nela contidas? Como São Jerônimo (doutor da Igreja que viveu no século IV e traduziu a Bíblia para o latim) poderia saber, usando apenas a própria Bíblia, que o verbo hebraico “qaran”, que ele traduziu por “ter chifres”, significava na verdade “reluzir”? Onde está na Escritura o dicionário inspirado que guarda o significado das palavras que ela mesma utiliza, a fim de que esse significado não precise ser guardado fora da Escritura?
2.2) Em relação às palavras polissêmicas, como saber com certeza, usando só a Bíblia, qual o significado específico de cada palavra em cada utilização? Como saberei qual dos 14 significados diferentes do verbo grego “krino” eu devo selecionar em cada utilização desse verbo? Aliás, o que me garante que esse verbo realmente possui 14 significados diferentes, nem mais nem menos? O que me garante que eu consigo ainda hoje ter acesso ao significado original que o texto bíblico possuía quando foi escrito e que o significado ao qual hoje eu tenho acesso não foi alterado ao longo de dois mil anos? (Spoiler: a resposta é a Sagrada Tradição Apostólica da Igreja, mas eu ainda não sabia essa resposta quando comecei a me fazer essas perguntas.)
2.3) As traduções também são infalíveis? Se as línguas originais são infalíveis e as traduções não são, por que os protestantes, desde a origem do protestantismo, se preocupam mais em traduzir a Escritura do que em ensinar aos fiéis as línguas originais? Quanto mais eu pensava a respeito, mais eu percebia o quanto o sola Scriptura é um princípio baseado em diversos elementos que não estão na Escritura e que eu simplesmente ignorava.
3) Finalmente, a questão que foi o golpe de misericórdia na minha crença no sola Scriptura: onde a Escritura afirma quais livros devem compor a Escritura? A resposta é: em lugar algum. Nosso Senhor Jesus fala da Lei, dos Profetas e dos Salmos (Lc 24:44). Essa é a chancela bíblica que nos faz compreender que existiam pelo menos 3 grupos de livros no Antigo Testamento. Mas quais são os livros que compõem esses grupos? Esses são os únicos 3 grupos? A primeira resposta que dei a essa minha pergunta foi: “Duuuur, é só você estudar um pouco da história de formação do cânon bíblico”, e nisso eu admiti que precisava de uma fonte externa à Escritura para tentar saber quais livros compõem a Escritura. O mesmo aconteceu com o Novo Testamento: onde a Escritura afirma quais livros devem compor o Novo Testamento? Temos a já citada passagem em que o apóstolo Pedro equipara os escritos do apóstolo Paulo ao que já era reconhecido como Escritura (2 Pedro 3:15-16), pela qual sabemos que as cartas de Paulo são Escritura. Mas qual parte da Escritura afirma que as cartas de Pedro também são Escritura?
3.1) Eu tentei solucionar esse problema da seguinte maneira: “Se eu interpretar a pedra da qual Jesus fala em Mateus 16:18 como a autoridade apostólica dos doze apóstolos, e não só a de Pedro, então os textos escritos pelos 12 apóstolos receberão autoridade no mínimo semelhante à da Escritura!”. Foi a melhor solução que pude encontrar. Contudo, os evangelhos de Marcos e Lucas ainda ficariam de fora do cânon neotestamentário, já que nenhum dos dois era apóstolo, bem como os Atos escritos por Lucas. E o que dizer de Hebreus?
3.2) Quando vamos para a questão da autoria, a situação piora muito. Como posso saber, usando só a Bíblia, quem são os autores dos livros bíblicos? As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas e o Apocalipse de João possuem identificação de autoria, mas nem a carta aos Hebreus, nem as cartas de João, nem o livro de Atos, nem qualquer dos evangelhos possuem identificação de autoria! Eu até tentei forçar, por meio de Mateus 16:18, uma interpretação da autoridade dos apóstolos como validadora do cânon do Novo Testamento (embora essa validação também não exista na Escritura), mas mesmo assim a Bíblia assombrosamente perderia os evangelhos que relatam a vida de nosso Senhor Jesus Cristo se eu usasse somente a Bíblia para formar a Bíblia! E eu nem mencionei os livros do Antigo Testamento! Simplesmente não há possibilidade de Deus ter estabelecido o sola Scriptura como princípio para Sua Igreja, porque, usando somente a Escritura, nós nem ao menos conseguimos saber o que é e o que não é Escritura.
Eu me fiz esses e vários outros questionamentos, mas quis registrar apenas os que para mim são principais, que foram também os que mais me trouxeram tristeza e dor de cabeça. Não foi fácil questionar aquilo que, durante a vida inteira, eu tive como base de fé. De fato, foi um processo muito doloroso. Eu louvo a Deus por Ele ter me conduzido nessa dura jornada e ter-me feito achar Sua glória resplandecente em Sua Santa Igreja.
Voltando à história: quando percebi tudo isso, eu ainda era protestante, mas senti-me envergonhado. Pensei comigo mesmo: “Nós, protestantes, temos por princípio mais fundamental da nossa fé o sola Scriptura e não podemos, por meio dele, nem definir quais escritos compõem a Escritura? Pode até ser que o catolicismo não seja o time certo, mas com certeza o protestantismo é só mais um time errado!”. Eu percebi que boa parte de qualquer doutrina protestante está firmada na areia, não na rocha (a parte que está firmada na rocha assim está por estar de acordo com as doutrinas católicas). Em pouquíssimo tempo, vi que as doutrinas do protestantismo eram uma torre de dominós construída sobre um castelo de cartas chamado sola Scriptura.
Foi nesse momento que entendi que eu confiava na autoridade da Escritura não porque a própria Escritura a afirma e define plenamente, mas porque eu confiava também em alguma outra autoridade, embora eu ainda não soubesse que autoridade era essa. Hoje entendo que foi a Igreja que formou a Bíblia ao longo de séculos de disputas. Hoje sei por que confio na Bíblia: porque confio na Igreja que autoritativamente a definiu com o auxílio do Espírito Santo! Foi a autoridade conferida por Nosso Senhor Jesus Cristo à Igreja que separou, dentre a multidão de livros que circulavam no meio dos cristãos do mundo todo, o que é trigo do que é joio!
Assim, depois de ter entendido que o protestantismo possui essa gravíssima e fundamental inconsistência, minha fé no sola Scriptura, e, portanto, no protestantismo, encontrou sua ruína. Comecei a pesquisar se o catolicismo era um meio possível e válido de se viver o cristianismo. À época, eu tinha dois problemas com o catolicismo. O menos pior era Maria e os santos. O pior era o papado e a estrutura da autoridade na Igreja.
Eu já entendia a argumentação católica a respeito da intercessão dos santos e a considerava válida. Entendia que os católicos interpretam, por meio de passagens bíblicas, que os santos que estão diante de Deus têm conhecimento dos eventos que ocorrem aqui na Terra, por isso podem ouvir preces dirigidas a eles e interceder diante de Deus por quem ainda está aqui. O mesmo acontece com Maria, de forma mais especial por ser ela a Mãe de Deus. Entendia também a distinção entre as duas formas de cultuar: adoração (devida somente a Deus) e veneração (respeitosa honraria aos santos e especialmente a Maria). Certo. Eu entendia tudo isso, mas pensava no meu íntimo: “Eles podem fazer a diferenciação que quiserem entre adoração e veneração, mas eu sei que na prática eles são adoradores dos santos e de Maria, e não só de Deus”.
Na mesma época em que fui percebendo essas coisas – mais pro final do segundo semestre de 2017 –, eu comecei a sair com uma garota que conheci, e ela era católica. Eu a convidei para ir a alguns cultos da igreja protestante que eu frequentava à época e ela me convidou a algumas missas da igreja católica que ela frequentava. Ela foi nuns cultos comigo e eu fui numas missas com ela. Atualmente, nós somos namorados. A ela sou muito grato, pois penso que, se não fosse por seus convites, eu demoraria muito mais para ir a missas e desfazer meus preconceitos.
Fiquei impressionado. A missa era muito diferente do que eu imaginava. Eu percebi logo na segunda missa a que fui que o centro da liturgia católica realmente era Jesus. Aliás, era o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Era a Santíssima Trindade! Enquanto o centro do culto protestante é a Escritura, o centro da missa católica é a Eucaristia (que é o próprio Jesus Cristo, presente em corpo, sangue, alma e divindade). Isso já foi suficiente para que eu deixasse meus tolos preconceitos quanto a Maria e os santos (embora isso não me tenha feito, automaticamente, acreditar na intercessão dos santos). Inclusive, não são raras as missas em que não é rezada uma Ave Maria ou uma oração dirigida a um santo, mas não existe uma missa em que diversas orações, espalhadas por toda a liturgia, não sejam dirigidas à Santíssima Trindade.
Mesmo que o centro da missa, em comparação aos cultos protestantes, seja não a Escritura mas o próprio Cristo, as missas possuem muito mais leituras bíblicas que qualquer culto que frequentei ou presenciei ao longo de 27 anos conhecendo vários tipos de protestantismo. Nas missas de segunda a sábado, pelo menos 3 textos bíblicos são lidos: um trecho que não seja de um Salmo nem de um Evangelho, um trecho de um Salmo e um trecho de um Evangelho. Nas missas dominicais, pelos menos 4 textos bíblicos são lidos: um trecho veterotestamentário que não seja de um Salmo, um trecho de um Salmo, um trecho neotestamentário que não seja de um Evangelho e um trecho de um Evangelho. Nas missas especiais, como as do Tríduo Pascal, vários e extensos trechos bíblicos são lidos. E isso são apenas as leituras diretas. Não me darei aqui o trabalho de elencar os diversos trechos bíblicos que são repetidos em todas as missas, presentes em diversos momentos tanto da Liturgia da Palavra quanto da Liturgia Eucarística.
Bom, desfeitos meus prejulgamentos errôneos em relação a Maria e os santos, restava-me um problema ainda, o principal: a estrutura de autoridade na Igreja. Eu queria saber três coisas: 1) Se Jesus havia instituído essa estrutura; 2) Como funciona essa estrutura; 3) Se temos registros históricos da sucessão dessa estrutura, ou seja, da sucessão apostólica, ou se os católicos apenas a aceitam porque parece fazer sentido.
Foi fácil abandonar o protestantismo após perceber que ele está muito errado, mas não foi nem um pouco fácil abandonar a mentalidade protestante que eu carreguei durante tantos anos. Por isso, foi difícil abraçar o catolicismo. Uma a uma, Deus foi me dando a graça de compreender as questões supracitadas. Entendi que foi o próprio Jesus que instituiu a primazia de Pedro em relação aos demais apóstolos, que é muito clara em Mateus 16:18 (se lido com João 1:42), Lucas 22:31-32 (meu trecho favorito) e João 21 (o mais bonito desses três). Aprendi que existe sucessão apostólica na Bíblia: em Atos 1, os próprios apóstolos preenchem o lugar de Judas Iscariotes com Matias, ou seja, passam o cargo vago de apóstolo para um sucessor mediante a morte do ocupante anterior. E por que eles podem fazer isso? Porque receberam do próprio Cristo a autoridade para tal. Além disso, encontrei e li os textos patrísticos que registram historicamente como se deu a sucessão da cadeira de Pedro, ou seja, da função de Bispo dos Bispos. Irineu de Lião, Eusébio de Cesareia, Optato de Milevis, São Jerônimo, Santo Agostinho (tão amado pelos protestantes reformados), também o Catálogo Liberiano: todos esses citam sucessores de Pedro nome por nome, de modo que a historicidade dessa sucessão é incontestável (http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/775-a-sucessao-dos-bispos-de-roma-segundo-os-padres-da-igreja).
Esse processo todo durou pouco mais de um ano. Em meio às leituras da faculdade, eu lentamente buscava a verdade católica por meio de outras leituras. Obviamente, li sobre vários outros temas concernentes à fé católica nesse tempo, mas o que mais me pesava o coração era esse da autoridade e do papado. Era muito difícil lidar com o fato de que eu não tinha mais a palavra final na interpretação bíblica, mas que Jesus tinha escolhido um grupo específico para cumprir essa função: os sucessores dos apóstolos, e o sucessor de Pedro em especial. Além disso, conversei com alguns amigos católicos que muito me abençoaram nessa jornada. Outra parte da demora em minha conversão se deve também ao fato de eu quase sempre buscar as referências patrísticas que encontrava por aí, fossem elas citadas por católicos ou protestantes, no site http://www.newadvent.org. Esse site possui muitas dessas referências traduzidas para o inglês. Infelizmente, é comum encontrarmos artigos de protestantes utilizando citações dos Pais da Igreja de forma completamente anacrônica e descontextualizada, algumas vezes numa interpretação que quer afirmar o contrário do que o texto diz. Também é lamentável que não tenhamos em português um site tão bom quanto o New Advent.
Sanar minhas dúvidas acerca daquelas três questões era a gota d’água que faltava para eu decidir me tornar católico, e Deus me concedeu essa graça em Seu tempo. Assim, no dia 03 de janeiro de 2019, decidi tornar-me católico e o contei a minha namorada e aos amigos católicos que tanto me abençoaram nessa jornada. Posteriormente, descobri que 03 de janeiro foi o dia em que o Papa Leão X, no ano 1521, excomungou Martinho Lutero, por sua persistência nas heresias condenadas na bula Exsurge Domine, por meio da bula pontifícia Decet Romanum Pontificem (que pode ser encontrada no seguinte link: https://www.ofielcatolico.com.br/2007/05/decet-romanum-pontificem-bula-de.html).
O que contei até aqui foi apenas o relato intelectual da minha conversão. No meio disso tudo, eu orava a Deus, chorava, me sentia perdido, frequentava missas, conversava com amigos… mas confiava totalmente no amor e na misericórdia de Deus. Um relato digno de nota diz respeito a Santa Teresinha, mais especificamente, à Novena das Rosas. Muito providencialmente, no final de setembro de 2018, o Bernardo Küster lançou, em seu canal no YouTube, um vídeo em que ele conta seu relato de conversão, que envolve a Novena das Rosas de Santa Teresinha (https://www.youtube.com/watch?v=fMcr7xvPNTk).
À época, eu estava tendo conflitos emocionais em relação à intercessão dos santos. Eu entendia a doutrina, mas os sentimentos que desenvolvi ao longo de 27 anos no protestantismo não eram bons. Por graça divina, decidi aceitar o desafio do Bernardo. Rezei a novena e, no nono dia, eu realmente recebi uma rosa de forma inesperada! Era meu aniversário e minha namorada me presenteou, junto com um monte de outras coisas, com uma rosa! Ela não fazia ideia de que eu estava fazendo a novena, porque eu havia contado isso a ninguém! Pode ser que afirmem: “Mas isso foi coincidência, porque era seu aniversário”. Não foi coincidência: essa foi a primeira rosa que recebi na vida!
Deus estava cuidando de mim a todo momento, até que eu finalmente consegui ver de forma clara a Igreja Católica como a rocha verdadeira, como coluna e sustentáculo da verdade, segundo afirma o apóstolo São Paulo em 1 Tm 3:15. Como diria Steve Ray (recomendo esta aula dele: https://www.youtube.com/watch?v=3yGo4ICiJxM, e a recomendo fortemente!): mesmo eu tendo nascido numa jangada à deriva no mar, o Senhor me trouxe de volta a esta magnífica embarcação que ruma para a vida eterna: a Santa Igreja, fundada por nosso Senhor Jesus Cristo e governada na Terra pelos apóstolos e seus sucessores, em especial o Romano Pontífice, sucessor de São Pedro, perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade quer dos Bispos quer da multidão dos fiéis, a pedra sobre a qual nosso Senhor Jesus Cristo construiu Sua Igreja!