Há muitos protestantes muito inteligentes e bem versados nas Escrituras, que procuram discernir e seguir fielmente a vontade de Deus, que chegaram à conclusão o que Jesus disse sobre o Pão e o Vinho na Última Ceia, sobre as Espécies se tornarem Seu Corpo e Seu Sangue, são palavras meramente simbólicas. E se eles estiverem certos? 

Primeiro, eu acho que uma revelação dessas seria trágica. Receber a Eucaristia é o encontro mais íntimo com Jesus Cristo, deste lado da Eternidade. Descobrir de repente que essa intimidade era uma farsa, e o que pensávamos ser Deus era na verdade apenas pão, seria no mínimo desanimador. Ou até pior, isso significaria que todas aquelas horas gastas em Adoração eram algo mais próximo da idolatria do que uma adoração propícia a Deus.

Mas a verdadeira tragédia seria ainda maior – dizer que a Igreja estava errada sobre a Eucaristia desde o princípio, pois os primeiros cristãos acreditavam universalmente na Presença Real de Jesus Cristo na Eucaristia. O renomado historiador da Igreja Primitiva J.N.D. Kelly, que é protestante, concluiu que o “ensinamento eucarístico deve ser entendido desde o início, que era no geral inquestionavelmente realista, isto é, o pão e o vinho consagrados eram tomados, tratados e referidos como o Corpo e Sangue do Salvador” (Early Christian Doctrines, 440). 

Tome como exemplo a Igreja em Esmirna, na atual Turquia. Na segunda metade do primeiro século, o apóstolo João entregou uma mensagem de Jesus Cristo diretamente aos esmirnenses, encorajando-os na sua fidelidade em meio aos sofrimentos (Ap. 2.8-11). Pouco tempo depois, um discípulo de João, Santo Inácio de Antioquia, escreveu a essa mesma igreja local enquanto estava encaminhando para Roma para ser martirizado no início do segundo século. 

Na sua carta, Inácio alerta-os para “se manterem distantes” dos hereges gnósticos “porque eles não confessam que a Eucaristia é a carne do nosso Salvador Jesus Cristo” (Epístola aos Esmirnenses 7). Repare que Inácio não sente que é necessário convencer seus leitores da verdade da Presença Real. Para ele, era necessário apenas dizer que, uma vez que os gnósticos rejeitavam a Presença Real, não se deveria “falar deles nem em particular ou público”. 

E este é o modo que os Cristãos viam a Eucaristia pelos primeiros séculos da Igreja. Isso não era um teólogo que por vez perdida ensinou a Presença Real, isto é a posição cristã sobre o tópico. Em uma série de aulas dadas a catecúmenos que estavam para entrar na Igreja, São Cirilo de Jerusalém os lembrou que “vocês foram ensinados e foram firmemente convencidos que o que aparenta e tem sabor de pão e vinho não é pão e vinho, mas sim o Corpo e o Sangue de Cristo” (Leituras Catequéticas 22). Cirilo afirma tranquilamente que até mesmo aqueles que não foram batizados ainda sabem o suficiente sobre os cristãos para concluir que eles acreditam na Presença Real. 

Ainda mais revelador do que os muitos Pais da Igreja que ensinam e pregam na Presença Real da Eucaristia, é a ausência de líderes cristãos ou rejeitando essa posição católica ou ensinando uma posição contrária. 

Se um pastor batista se levantasse no domingo e declarasse que o pão e o vinho se tornam Corpo e Sangue de Cristo, você poderia esperar reações agressivas e até denúncias de heresia, ou ao menos tentativas de correção, já que os batistas não crêem na Presença Real. 

O fato de que não vemos esse tipo de protesto na Igreja primitiva é uma evidência constrangedora que os primeiros cristãos não creem nos que os batistas modernos crêem sobre a Eucaristia. Em vez disso, eles eram unidos em fé na Presença Real na Eucaristia num tempo que cristãos não tinham medo de mexer uns com os outros sobre questões relativamente menores. 

Então, por que isso é tão importante? Porque isso significa que esses protestantes não estão apenas dizendo: “eu acredito que as palavras de Cristo na Última Ceia foram ditas para serem meramente simbólicas”, e sim: “eu acredito que toda a Igreja entendeu errado um dos mais básicos aspectos da Cristianismo por século”. Chamemos essa posição de “todo mundo entendeu o Evangelho errado”. Na Última Ceia, Jesus Cristo disse: “não vos deixareis sozinhos”, uma promessa de não abandonar a Igreja ou não nos deixar como órfãos. Especificamente, Cristo prometeu preservar Sua Igreja ao enviar “o Espírito da Verdade”, o Espírito Santo, para “ensinar-vos todas as coisas, e trazer a memória o que eu vos tenho dito” (João 14,17.26). Como acreditar que essa promessa é compatível com a ideia de que a Igreja inteira perdeu o verdadeiro sentido da Última Ceia, e que nenhum cristão obteve sucesso em seguir as instruções “em memória de mim”(I Cor. 11,24)? 

Com certeza, deixados à nossa própria mercê, nós entenderíamos alguns aspectos do Evangelho de maneira errada. É por isso que existem tantas denominações protestantes em competição. Mas a solução é voltar-se à Igreja e ter a humildade de ser guiado, ao invés de confiar que nossa própria leitura da Escritura é superior a de todo mundo. Esse modelo é relatado na própria Escritura, quando o apóstolo Filipe achou um oficial etíope lendo o livro de Isaías, ele perguntou: “você entende o que você está lendo?” – e o homem respondeu: “como posso entender, se ninguém me explica?” (Atos 8,30-31). Mas a visão protestante mina tudo isso ao sugerir que a Igreja visível, e também todos os cristãos em todo lugar, talvez sejam os errados. 

Isso não é apenas sobre rejeitar a autoridade do ensinamento da Igreja, mas rejeitar toda a Cristandade antes de um certo ponto da História. Se você pode jogar (por exemplo) toda a Cristandade pré-1517, por que não joga toda a pré-2018? O que aparenta ser uma simples divergência, na verdade é uma questão de confiarmos ou não na promessa de Cristo de não nos abandonar, deixando-nos à mercê das nossas próprias interpretações teológicas. 

E mais, se todos entenderam o Evangelho errado, o que pode nos fazer pensar que alguém entendeu o Evangelho corretamente agora? Se todos estiverem errados na literalidade da Eucaristia por séculos, por que alguém não estaria errado na literalidade da Ressurreição ou de qualquer aspecto do Cristianismo? Se toda Cristandade pode entender a mensagem central do Cristianismo de maneira errada, então parece que nós não podemos ser confiáveis para entender os princípios básicos do Cristianismo de modo correto. Mas sustentar uma ideia dessas claramente debilita nossa confiança na própria Cristandade. 

Artigo original: What if Protestants are Right about the Eucharist? (Catholic.com) – escrito por Joe Heschmeyer 

Tradução por Symon Bezerra.

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