Obs. do tradutor: o autor do texto é um evangélico.

Meus amigos, especialmente os que vão ser pais em breve, ficam surpresos e me questionam por que eu acredito no batismo de crianças. Por uns dois anos, eu respondia com o que eu considero, dentro da Bíblia, os melhores motivos para batizar crianças. Mas hoje em dia eu não sigo mais essa linha de argumentação, depois de perceber que não foi isso que me convenceu.

Para a maioria dos evangélicos, o que serve de obstáculo ao batismo infantil não é falta de evidência bíblica, mas as lentes interpretativas usadas para ler as Escrituras¹. Essas lentes são resultado de uma visão moldada pelos reavivamentos, um individualismo rígido e uma teologia sacramental sem vínculo com o significado eclesial da graça – um conjunto de coisas que tornam a conversão o artigo chefe da fé. Isso não deveria ser surpresa, já que a teologia evangélica americana foi forjada nas fronteiras, nos encontros em acampamentos, ao som de pregações sobre a condenação no dia do Juízo Final.

Nesse cenário, obrigatoriamente você tem que passar por uma experiência de conversão para ser salvo. Você tem que abandonar suas práticas antigas e viver uma vida nova, o que geralmente envolve um atestado de sinceridade com lágrimas e lamentos. E essa visão do cristianismo funciona muito bem num ambiente evangelicalista, onde muitos viveram abertamente como descrentes. O problema começa quando isso passa a ser estranho em um ambiente de fé com várias gerações.

Qualquer um que cresceu num lar cristão e ainda crê em Jesus sabe que nunca houve um tempo em que ele ou ela passou da “descrença” para o “acreditar”. Nós nunca “nos convertemos”; até onde conseguimos lembrar, foi algo inculcado desde a infância. Nós confiamos em Jesus em prol do perdão dos nossos pecados, batizados quando bebês ou não.

No entanto, graças à ênfase batista na conversão, muitos (se não a maioria) que cresceram nessas igrejas se viram “se convertendo” de novo e de novo, recitando a “oração do pecador” inúmeras vezes quando eram chamados nos apelos² durante a infância e adolescência, certos de que, em cada vez, nós fomos verdadeiramente sinceros, mas sempre retornando ao púlpito nos apelos. Alguns de nós até pedimos para sermos rebatizados depois de nossas mais recentes conversões. E todo mundo que cresceu nas igrejas evangélicas sabe o que significa “invejoso de testemunho” – aquela inveja real e perversa que se sente quando alguém que viveu uma vida mais depravada que você conta o testemunho dela.

Na minha opinião, o maior obstáculo ao batismo infantil está nisso, pelo menos para os evangélicos americanos. Eu não creio que os evangélicos batistas enxergam seus filhos como pagãos não-regenerados até que eles façam uma “profissão de fé creditável”. Se fosse assim, eles não iam ensinar seus filhos a recitar a Oração do Senhor³ ou cantar “Jesus Love Me” (“Jesus me Ama”). Eu acredito que, na verdade, é um tipo de sacramentalismo alternativo, no qual uma experiência dramática de conversão se torna o rito da iniciação cristã, no lugar do batismo.

Portanto, as crianças que cresceram nesse ambiente sentem necessidade de criar alguma conversão em lágrimas, várias vezes, para provar que são sinceras. E, ao invés de confiar em Cristo olhando para o momento presente, elas são ensinadas – implícita ou explicitamente – a olhar para um tempo, um lugar, ou uma oração que está no passado, e basear sua salvação naquilo.

O batismo infantil é um contraponto a todo esse sistema. Ele declara visivelmente que Deus induz uma mudança no coração e uma fé salvífica mesmo naqueles que são muito pequenos até mesmo para falar ou para recordar suas “conversões”. Ele ilustra que os ramos enxertados por Deus em Seu Filho não são estéreis. Eles brotam e florescem, produzindo novos ramos que nunca beberam a seiva de outra árvore. E, acima de tudo, ele combina com as experiências vividas pelos filhos dos crentes, ao invés de continuamente impor a eles um sistema que foi feito para a primeira geração de convertidos.

Quase sempre, as pessoas que escutam essa explicação passam a enxergar as coisas com mais clareza. E, na maioria dos casos, a sua aceitação do batismo infantil não está muito longe de acontecer.

[1] Com certeza, não foi intenção do autor falar sobre a Sagrada Tradição, como nós católicos. Mas a metáfora de lentes é usada por um ex-batista, Steve Ray. Um exemplo disso é uma de suas entrevistas no Journey Home, como esta de 2016: https://youtu.be/iowmF5YDTrg?t=536 (vídeo começa aos 8:36, legendado).

[2] Quando o autor fala dos apelos, ele cita os “altar calls” – costume de algumas igrejas evangélicas dos Estados Unidos em que as pessoas vão ao púlpito para se converterem depois de passarem por alguma experiência conturbada na fé. Isso ocorre várias vezes ao longo da vida, em algumas comunidades.

[3] Oração do Senhor é como os protestantes americanos comumente chamam o “Pai Nosso” (Lord’s Prayer).

Autor do texto: G. Shane Morris – colunista Patheos (Troubler of Israel)

Texto original:

https://www.patheos.com/blogs/troublerofisrael/2016/11/the-real-reason-evangelicals-dont-baptize-babies/

Tradutor: Symon Bezerra

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