Um dos temas que diferenciam a eclesiologia católica da protestante, sem dúvida
é a sucessão Apostólica. O catecismo da Igreja Católica (CIC), sintetiza bem a
importância da sucessão Apostólica para a eclesiologia católica:

Para que a missão que lhes fora confiada pudesse ser continuada depois da sua
morte, os Apóstolos, como que por testamento, mandataram os seus
cooperadores imediatos para levarem a cabo a sua tarefa e consolidarem a obra
por eles começada, encomendando-lhes a guarda do rebanho em que o Espírito
Santo os tinha instituído para apascentar a Igreja de Deus. Assim, instituíram
homens nestas condições e tudo dispuseram para que, após a sua morte, outros
homens provados tomassem conta do seu ministério.
(CIC §861)

Os sucessores dos Apóstolos são os bispos; que receberam essa graça por
sucessão e conjuntamente, pela plenitude do sacramento da Ordem (Episcopal).
Quanto aos protestantes, com exceção da igreja anglicana, que por algum tempo
tentou manter a mesma natureza de sucessão Apostólica que vemos na Igreja
Católica, as demais denominações possuem uma interpretação distinta de
sucessão Apostólica, quase sempre buscando relativizar esse critério evidente
que, constantemente foi apontado pelos Pais da Igreja como indispensável para
considerar uma igreja legítima. Uma saída para os protestantes é argumentar que
a verdadeira sucessão Apostólica se dá pela fidelidade à fé pregada pelos santos Apóstolos.
Logo, um ministro protestante é sucessor dos Apóstolos, na medida
em que é fiel à fé desses Apóstolos. De que modo podemos medir essa
fidelidade? O critério quase sempre é a interpretação do próprio ministro do que
seria a fé dos apóstolos. Em suma: segundo eles, a Igreja Católica foi perdendo a
sucessão Apostólica ao longo dos séculos, com as supostas “heresias” às quais
ela foi aderindo. Ao romper com a Igreja Católica, desse modo, os protestantes
não romperam com a sucessão Apostólica, mas pelo contrário: a mantiveram.
Essa é sua ideia. Dentro do Novo Testamento, encontramos algumas bases para a
sucessão Apostólica. Vejamos: “Por isso os Doze reuniram todos os discípulos e
disseram:

Não é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às
mesas. Irmãos, escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios
do Espírito e de sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa e nos dedicaremos à
oração e ao ministério da palavra .”Apresentaram esses homens aos apóstolos, os
quais oraram e lhes impuseram as mãos. (Atos 6, 2-4.6 NVI). Sobre esse texto ,
anota de rodapé da Bíblia de Jerusalém, diz: “Lucas não dá o nome de ‘diáconos’
aos sete eleitos, mas é repetida a palavra ‘serviço’, gr. Diakonía (cf. Fl 1,1+; Tt
1,5+)

Outro texto: “Não negligencie o dom que lhe foi dado por mensagem profética
com imposição de mãos dos presbíteros.” (1 Timóteo 4,14 NVI). Mais um texto:
“Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram.” (Atos
13,3 NVI) É bem estabelecido no Novo Testamento que a transmissão tanto da
diaconia quanto do Episcopado se dá pela oração e pela imposição de mãos dos
Apóstolos ou daqueles que receberam a imposição de mãos dos Apóstolos.
Podemos ver aí a sucessão Apostólica sustentada pela Igreja Católica. Um texto
que pode dar base para a visão de sucessão Apostólica dos protestantes é esse:

Esta afirmação é digna de confiança: se alguém deseja ser bispo, deseja uma
nobre função. É necessário, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma
só mulher, sóbrio, prudente, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar; não
deve ser apegado ao vinho, nem violento, mas sim amável, pacífico e não apegado
ao dinheiro. Os diáconos igualmente devem ser dignos, homens de palavra, não
amigos de muito vinho nem de lucros desonestos.Devem apegar-se ao mistério da
fé com a consciência limpa. (1 Timóteo 3,1-3.8-9 NVI)

Então surge a pergunta que é determinante para a sucessão Apostólica: A ligação
com os Apóstolos se dá pelo sacramento da Ordem? Ou pela fé apostólica?
Ambos não são excludentes. Isso significa que pedir para escolher um ou mesmo
sugerir uma oposição entre ambos constitui uma falsa tática, pois a Igreja possui
ambos. Porém: nem todos que vivem a fé dos Apóstolos podem ser considerados
“sucessores dos Apóstolos”. Evidentemente! No Novo Testamento não
observamos todos os cristãos recebendo esse “encargo”, mas todos devem viver a
fé pregada pelos santos Apóstolos. O Catecismo da Igreja Católica estabelece que
a fé dos Apóstolos e a sucessão Apostólica não são excludentes:

Quais são os vínculos da unidade? «Acima de tudo, a caridade, que é o vínculo da
perfeição» (Cl 3, 14). Mas a unidade da Igreja peregrina é assegurada também por
laços visíveis de comunhão:
A profissão duma só fé, recebida dos Apóstolos;
A celebração comum do culto divino, sobretudo dos sacramentos;
A sucessão apostólica pelo sacramento da Ordem, que mantém a concórdia
fraterna da família de Deus.
(CIC §815).

Resta uma dúvida: qual fator é determinante para alguém ser sucessor dos
Apóstolos? A fé apostólica ou a ligação da contínua imposição de mãos para o
Episcopado, que vem dos doze? A Igreja sempre teve a preocupação de conceder
o episcopado para homens retos na fé; todavia, miseravelmente, bispos podem
cair em heresia. Isso faz com que eles percam a sucessão Apostólica? Sendo a
Ordem um sacramento, podemos fazer um paralelo com outro sacramento para
chegar a uma melhor compreensão: o batismo. A Sagrada Escritura diz:

“há um só Senhor, uma só fé, um só batismo.”
(Efésios 4,5 NVI)

Logo, o batismo é único. Mesmo que o fiel posteriormente caia em heresia,
continua sendo batizado. Da mesma forma, o sacramento da Ordem. O ideal é a
perseverança na fé ortodoxa; porém, esses sacramentos não são “perdidos” pela
queda ou falta de fidelidade de alguns. E como a sucessão Apostólica se dá pelo
sacramento da Ordem (Episcopal), segue-se que não se perde a sucessão
Apostólica. O que pode ocorrer é a invalidade do aparente sacramento. Explico: o
Papa Leão XIII fechou a questão sobre a validade do sacramento da Ordem dos
anglicanos. Foi definido que os anglicanos perderam a sucessão Apostólica, não
por cisma ou mesmo heresia; mas porque foi defeito na forma e intenção do
“sacramento”. Ou seja: transformaram o sacramento em outra coisa. Segue-se a
citação:

Assim, portanto, … confirmando ou com que renovando por nossa autoridade [os
decretos dos Pontífices que nos procederam], por iniciativa própria e de ciência
certa pronunciamos e declaramos que as ordenações feitas no rito anglicano têm
sido e são absolutamente inválidas e totalmente nulas.
(Papa Leão XIII: carta “Apostolicae curae et caritatis”. DH 3319)

Como mencionado, nem a heresia faz perder a sucessão Apostólica:

Sem nenhuma hesitação, Vossa Santidade deve acolhê-los [os nestorianos convertidos] na sua comunidade, conservando suas próprias ordens , para que, enquanto… em virtude da mansidão não lhes causais nenhuma contrariedade ou dificuldade por motivo de suas próprias ordens, os tireis das garras do antigo inimigo. ( Papa Gregório I: carta “Quia carirati nihil”. DH 478)

A Ordem, sendo um sacramento que carrega a sucessão Apostólica, é um dom de
Deus. Logo, é pela garantia no poder do Senhor que é Santo que ele é mantido na
Igreja:

[…] De fato, se os raios deste sol visível, passando através dos lugares mais
fétidos, não são contaminados pelo contato com sujeira alguma, muito menos o
poder daquele sol, que fez o visível, fica restringido por alguma indignidade do
ministro… Por isso também este… Ao administrar coisas boas de modo mau,
causou dano somente a si mesmo. De fato, o sacramento inviolável por ele
administrado manteve para os outros a perfeição de sua força.
(Papa Anastásio II: carta “Exordium pontificatus mei”, cap.7-9. DH 356)

Não é contrário à fé católica o exame crítico para se Ordenar um candidato. Como
já foi dito, isso não entra em conflito.

Aquele que deve ser ordenado bispo primeiro seja examinado […] Deve-se
interrogá-lo também se crê que é um só e mesmo o autor e Deus do Novo e do
Antigo Testamento […] Se, examinado em todos estes pontos, tiver sido julgado
plenamente instruído, então, com o consenso dos clérigos e dos leigos e
reunindo-se os bispos de toda província, … seja ordenado bispo.
Quando se ordena um bispo, dois bispos ponham e sustentem o livro dos
Evangelhos sobre a nuca [cabeça] dele e, enquanto um lhe dá a benção, todos os
outros bispos que estão presentes toquem com suas mãos a sua cabeça.
(Papa são Leão Magno: “Statuta Ecclesiae Antiqua”. DH 325-326)

De fato, não somente um bispo, mas qualquer clérigo pode ser afastado da sua
função; porém, não se perde o caráter sacramental da Ordem.

Conclusão

A sucessão Apostólica é uma ligação contínua que vem das mãos dos doze pelo
sacramento da Ordem; é útil e desejável que todos cristãos creiam na fé pregada
pelos Apóstolos, porém é absurdo supor que todos fiéis cristãos são sucessores
dos Apóstolos! Não encontramos amparo para isso nem na Sagrada Escritura e
nem da Sagrada Tradição. Encerro com uma citação de santo Inácio de Antioquia:

“Segui todos ao bispo, como Jesus Cristo segue o Pai, e aos presbíteros como aos
apóstolos; respeitai os diáconos como à lei de Deus. Sem o bispo, ninguém faça
nada do que diz respeito à Igreja. Onde aparece o bispo, aí esteja multidão, do
mesmo modo que onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica. Sem o bispo
não é permitido batizar, nem realizar o àgape.”
(Inácio aos Esmirniotas, cap.8)