Dave Armstrong

[escrito em 1994. Postado originalmente em 22/08/2001]

I. INTRODUÇÃO / DEFINIÇÕES

1. PENITÊNCIA

Uma pré-condição necessária para o perdão dos pecados; a virtude moral que se inclina para a vontade de se desvencilhar interiormente do pecado, e para obter expiação de Deus pelas faltas cometidas. Consiste no arrependimento da alma pelos pecados praticados, tendo em mente que o pecado é um insulto a Deus, juntamente com um propósito de emenda, manifestado na confissão dos pecados, na realização de obras de penitência como oração, jejum, esmola, mortificações, e na paciência perante todas as provações enviadas por Deus.

{Ludwig Ott}

2. PURGATÓRIO

O lugar ou condição no qual as almas dos justos são purificadas após a morte e antes que elas possam entrar no Paraíso. As almas são purificadas pela expiação das penas temporais em razão do pecado cometido através da aceitação voluntária de um sofrimento imposto por Deus. Os sofrimentos do Purgatório não são idênticos para todos, mas proporcionais ao grau de impureza de cada um. Mais ainda, esses sofrimentos podem ser minguados em duração e em intensidade por meio de orações e boas obras dos fiéis na terra. Não são as dores incompatíveis com grande paz e alegria, já que as pobres almas amam profundamente a Deus e estão certas de que alcançarão o céu. Como membros da Igreja padecente, as almas no Purgatório podem interceder pelas pessoas na terra, que são então encorajadas a invocar esta ajuda. O Purgatório não continuará após o Julgamento Final, mas a sua duração para cada alma particular continua até que ela esteja livre de toda a culpa e punição. Imediatamente após a purificação a alma é admitida no céu.

{Pr. John A. Hardon}

3. INDULGÊNCIA

A remissão pela Igreja Católica das penas temporais advindas dos pecados perdoados. A igreja tem poder, garantido por Deus, para com autoridade dispensar e aplicar o infinito tesouro dos méritos adquiridos por Jesus Cristo (e secundariamente e indiretamente pelos santos). A eficácia da indulgência depende da caridade e da perfeição com a qual cada tarefa indulgenciada é feita. Indulgências também podem ser aplicada às almas do purgatório.

II. EXPLICAÇÕES

1. PENITÊNCIA: Deus requer um desagravo do pecador por conta da Sua Santidade e Justiça, pela injúria feita a Ele, e também para o propósito da correção do pecador. Por exemplo, um homem impuro pode ter seus pecados perdoados e mesmo assim ser punido (natural ou supernaturalmente) com problemas de saúde. O assassino, tanto em termos de lei divina quando de lei humana, pode ter que expiar o crime na cadeira elétrica. A Penitência inclui os arrependimentos, misérias e desafios da vida, e também os sofrimentos no Purgatório.

Também é possível que outros façam reparação pelos pecados de um terceiro, de acordo com a Comunhão dos Santos no Corpo de Cristo. Cada pecado causa não apenas um distúrbio na ordem cósmica estabelecida por Deus, mas também a destruição de valores morais nos âmbitos individuais e sociais. O pecado não é somente uma rejeição da Lei Divina, mas também uma rejeição da amizade com Deus. A própria existência e peso das punições da penitência devem nos impressionar com a insensatez e gravidade do pecado. O Concílio de Trento declara:

“Nem se deve dizer que esta nossa satisfação, com que pagamos pelos nossos pecados, é tal, que não seja por Cristo Jesus; pois, não podendo coisa alguma por nós mesmos, tudo podemos com a cooperação daquele que nos conforta (cfr. Filip 4, 13). E assim não tem o homem de que se gloriar, mas toda a nossa glória (cfr. l Cor l, 31; 2 Cor 10, 17; Gal 6, 14) está em Cristo, em que vivemos e em quem nos movemos (cfr. At 17, 28), em quem satisfazemos, produzindo dignos frutos de penitência…  nenhum católico jamais entendeu que com estas nossas satisfações se obscurece ou diminui em parte a eficácia do merecimento ou a satisfação de Nosso Senhor Jesus Cristo”

{Doutrina sobre a Penitência, capítulo 8, sessão 14, 25 de Novembro de 1551}

Exemplo bíblicos de penitência incluem a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden e vagar errante dos judeus desobedientes no deserto por 40 anos. Moisés foi proibido de entrar na Terra Prometida, Davi sofreu por conta do seu assassinato e adultério, e a doença e morte como resultado de comungar inapropriadamente (1 Cor 11,30-32). Jesus Cristo deu aos discípulos (por extensão, sacerdotes) o poder não apenas de “desligar” os pecados (ou seja, perdoar em nome de Deus), mas também o de “ligar” (ou seja, impor penitências). Mt 16,19; 18,18; Jo 20,23.

Os fiéis na terra podem conseguir expiação uns pelos outros por meio das boas obras praticadas em estado de graça. O efeito é a remissão de toda ou de parte da pena temporal que advém do pecado. Esta expiação vicária (isto é, feita em nome de outro) entre Cristãos é fundamentada na unidade do Corpo Místico de Jesus Cristo, e não é diferente em qualidade da oração de intercessão entre um e outro – na verdade, é a forma mais efetiva. Exemplos bíblicos incluem Moisés (Ex 32,32), Jó (Jó 1,5) e os ensinamentos e prática de São Paulo Apóstolo (Col 1,24; 2 Cor 12,15; 2 Tim 4,6).

2 CONFISSÃO: O sacerdote ouve a confissão como um representante de Deus no exercício de “ligar e desligar” (Mt 16,19; 18,18; Jo 20,23). Isso dá à confissão sua profunda seriedade e seu poder vigorante. A confissão dá nova coragem, confiança e um novo começo. A absolvição transmitida pelo sacerdote não é uma mera manifestação de esperança; antes, uma realidade objetiva e sacramental.

Também aprende-se humildade por esta prática, recebe-se graças adicionais e atinge-se uma certeza de perdão que é superior aos sentimentos subjetivos enfatizados pelo Protestantismo (embora estes também sejam válidos contanto que sejam experiências espirituais legítimas). Se há alguma “invenção” aqui, é a abolição da confissão a um sacerdote, e não a prática Católica, estando esta firmemente fundamentada na Escritura e na Tradição primitiva e constante do cristianismo.

3. PURGATÓRIO: C.S. Lewis (Protestante):

“ É claro que eu rezo pelos mortos. Na nossa idade a maioria dos que mais amamos já faleceram. Que tipo de relação com Deus eu poderia ter se aquilo que eu mais amo não pudesse ser mencionado diante Ele? Eu acredito no purgatório. Nossas almas necessitam do purgatório, não precisam? Minha imagem favorita sobre esse assunto vem da cadeira do dentista. Eu espero que quanto o dente da vida é arrancado, uma voz dirá: “enxágue a sua boca com isso”. Isso será o purgatório.

{Oração: Cartas a Malcolm, 107-109}

A noção de que nosso destino está fixado no exato momento da morte não é clara na Bíblia. Nós sabemos que somos julgados, mas isso não exclui o Purgatório, que é simplesmente uma parte de todo o processo. Nada na Bíblia indica que a obra da graça de Deus no nosso julgamento seja rapidamente concluída após a morte. Nós não sabemos com certeza a salvação ou a condenação final de ninguém. Sendo assim, segue que podemos rezar pelas almas de todos os homens, e recomendá-los à graça e à misericórdia de Deus. Por outro lado, há muitas indicações na Bíblia em favor de alguma noção do Purgatório, a serem melhor exploradas abaixo.

A maioria de nós termina nossa estrada terrena muito antes da santidade, mas não totalmente nas garras do pecado. Além disso, alguns que foram notoriamente iníquos se arrependem no último momento (por exemplo, o ladrão na cruz), e Deus não rejeitará nenhum pecador arrependido. Tal “penitente de última hora” deve expiar suas transgressões ao longo da vida. Nada contaminado pode entrar no céu, mas é certo que qualquer pessoa na “amizade” com Deus também não mereceria o destino do eterno fogo infernal. Consequentemente, deve haver algum processo de purgação pelo qual o homem é transformado em uma criatura digna de entrar na Santíssima presença do Senhor.

Visto por esse ângulo, o Purgatório, muito oposto ao horror Protestante, é na verdade uma das mais misericordiosas demonstrações do amor divino por nós, e muito consolador ao coração humano. Considerando que, na doutrina Católica, o pecado é real e deve ser verdadeiramente erradicado, e não simplesmente “encoberto” como no Protestantismo, uma mudança deve ocorrer em todos os pecadores após a morte. Apenas o Purgatório retém os atributos amorosos e santos de Deus no que diz respeito ao julgamento de cada ser humano. Um paciente que tem a garantia de recuperação suporta de bom grado o bisturi do cirurgião ou outros remédios desagradáveis. O Purgatório é o vestíbulo do céu. Todos os seus sofrimentos são infligidos e suportador no amor.

A Igreja Católica não declarou dogmaticamente se há ou não “fogo” no Purgatório, e o “fogo” pode ser metafórico, embora a ideia de aperfeiçoamento esteja, de qualquer maneira, presente. Não há comparação entre os sofrimentos do Purgatório e os do Inferno. Tais suplícios no Purgatório são temporários, plenos de certa esperança, suportados de boa vontade com determinação e paciência, e acompanhados de intensa alegria espiritual. As almas do Purgatório também podem rezar e obter bênçãos para aqueles que estão na terra, com caridade proporcional à sua relativa proximidade com Deus.

4. INDULGÊNCIAS: O escândalo da “venda de indulgências” é tido como sendo a causa inicial da revolta protestante. A Igreja Católica proibiu a venda de indulgências no Concílio de Trento (abusos da prática foram previamente condenados em Concílio em 1215, 1245, 1274 e 1312). Mas Martinho Lutero foi além da crítica do abuso das indulgências, e declarou toda a prática nula, vazia e contrária à Bíblia. Isto não é correto:

Muitos santos sofrem mais que o suficiente para satisfazer a Justiça de Deus. Jesus Cristo (e Maria, na teologia Católica) não tinham nenhum pecado e mesmo assim sofreram muito. A Igreja Católica dá crédito por este sofrimento às pessoas que se arrependeram. Assim, “indulge” estas pessoas, não em seu pecado, mas retirando a punição por estes pecados. Isto é chamado ato de indulgência. A Igreja Católica não se desfará desse belo conceito (se corretamente compreendido) por conta do seu ocasional uso criminoso no passado. A doutrina da indulgência está intimamente ligada à Comunhão dos Santos. A transferência de um mérito por meio de uma indulgência é um profundo ato de comunhão e uma postura séria perante a comum e unificada natureza do Corpo Místico de Cristo.

Num decreto papal emitido em 1968 pelo Papa Paulo VI, tornou-se excepcionalmente claro que a disposição piedosa do buscador era de suma importância. Em outras palavras, a indulgência não era um ato de mágica que existia à parte do estado espiritual de seu usuário. É incoerente para os protestantes criticar a Igreja Católica por suavizar as austeridades da penitência ao conceder uma indulgência, uma vez que seu próprio princípio fundamental é a noção de fé somente, sem boas obras (no que diz respeito à natureza da salvação). Assim, as indulgências são meramente uma aplicação limitada de um conceito que o protestantismo eleva à universalidade.

Todas as ideias principais nas quais uma indulgência se baseia são encontradas na Bíblia: o poder da Igreja de ligar e desligar, a expiação viária entre os membros da Igreja e a penitência. Embora a doutrina tenha se desenvolvido, como todas as outras, não é nem um pouco antibíblica. Na verdade, o próprio São Paulo emitiu uma indulgência diminuindo a penitência temporal pelo pecado de um irmão extraviado (2 Cor 2, 6-11) para o qual ele antes a havia imposto (1 Cor 5, 3-5). A Igreja Católica não acrescenta mais nada em essência às práticas e pressupostos teológicos dessas duas passagens.

III. UMA LISTA DE EVIDÊNCIAS BÍBLICAS PARA AS DOUTRINAS CATÓLICAS DA PENITÊNCIA E DO PURGATÓRIO.

1. Penitência {Mt 16,19;18,18;Jo 20,23}

Ex 32, 30-32

Num 14,19-23

Num 16, 43-48

Num 25, 6-13

2 Sam 12,13-14

Rom 8, 13-17

1 Cor 11, 27-32

1 Cor 12,24-26

2 Cor 4,10

Fp 3,10

Cl 1,24

2 Tm 4,6

Hb 12, 6-8

1 Pd 4, 1-13

2. Purgatório

Sl 66,12

Ec 12,14

Is 4,4

Is 6, 5-7

Mq 7, 8-9

Ml 3, 1-4

2 Mc 12,39-45

Mt 5, 25-26 /Lc 12, 58-59

Mt 12,32

Lc 16,19-32 (cf. Ef 4,8-10, 1 Pd 3, 19-20)

1 Cor 3,11-15

1 Cor 15,29 (?)

2 Cor 5,10

2 Cor 7,1

Fp 2, 10-11

1 Ts 3,13

1 Ts 4,7

2 Tim 1,16-18

Hb 12,14

Hb 12,29

Ap 5,3; 5,13

Ap 21,27

IV. PASSAGENS BÍBLICAS QUE ILUSTRAM PARTICULARMENTE AS DOUTRINAS CATÓLICAS DE PENITÊNCIA E PURGATÓRIO

1. Penitência

2 Samuel 12:13,14: Então Davi disse a Natã: “Pequei contra o Senhor! ” E Natã respondeu: “O Senhor perdoou o seu pecado. Você não morrerá. Entretanto, uma vez que você insultou o Senhor, o menino morrerá”.

1 Coríntios 11:27-32: Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem. Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.

2 Cor 4,10: Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos;

Filipenses 3,10: Quero conhecer a Cristo, ao poder da sua ressurreição e à participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte

Colossenses 1,24: Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja;


2. Purgatório

Isaías 4,4: Quando o Senhor lavar a imundícia das filhas de Sião, e limpar o sangue de Jerusalém, do meio dela, com o espírito de justiça, e com o espírito de ardor.

Malaquias 3, 2-3: Mas quem suportará o dia da sua vinda? E quem subsistirá, quando ele aparecer? Porque ele será como o fogo do ourives e como o sabão dos lavandeiros.
E assentar-se-á como fundidor e purificador de prata; e purificará os filhos de Levi, e os refinará como ouro e como prata; então ao Senhor trarão oferta em justiça.

Mateus 12,32: E quem falar contra o Filho do homem, será perdoado; mas quem falar contra o Espírito Santo, não será perdoado, nem neste mundo, nem no mundo vindouro.

1 Coríntios 3, 11-15: Porque ninguém pode colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo. Se alguém constrói sobre esse alicerce, usando ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, sua obra será mostrada, porque o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a qualidade da obra de cada um. Se o que alguém construiu permanecer, esse receberá recompensa. Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo.
Apocalipse 21,27: E não entrará nela coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro.

Artigo em inglês: https://www.catholicfidelity.com/apologetics-topics/confession-reconciliation-pennance/biblical-overview-on-penance-by-dave-armstrong/


Tradução: Túlio Christofoletti