Warrender Parck Terrace, Edimburgo (Escócia)

23 de abril de 1911

Minha Reverenda Madre, 

Já lá vai para mais de um ano (que, pela primeira vez tive conhecimento da autobiografia de Sóror Teresa do Menino Jesus (vertida em língua inglesa). Ao acaso abri o livro e para logo me senti enleado pela beleza e o cunho de originalidade dos pensamentos. Achei que me viera às mãos a obra de um gênio, de uma teóloga e poetisa de primeira plana. 

Volvi então ao princípio do livro e o li de fio a pavio. A impressão colhida nesta leitura, sobre ser duradoura, foi igualmente extraordinária. Experimentei em mim o mesmo que prova uma pessoa, a quem se descortina repentinamente o mundo invisível e exclamei: “Teresa está aqui no meu quarto!” Perseguia-me sem tréguas a lembrança dessa alma de escol, a ponto que, por vezes, me queria parecer que lhe prestava um culto vizinho da idolatria, tal era a amabilidade que nela se me deparava. Logo porém, tomado de temor, suspendia o passo nesta via perigosa, acusando-me de supersticioso… Baldados esforços. Às duas por três a sua imagem tornava a desenhar-se no meu espírito e a senhorear o meu coração, recusando-se terminantemente a desviar-se de mim, repetindo-me: “Assim é que os santos amam em Jesus Cristo. Ouve o que te aconselho! Escolhe a minha veredazinha, porque é segura e a única verdadeira.” 

Enlevado com estas palavras suavíssimas, respondi: “Pois bem, minha “Florzinha”, farei por seguir o seu conselho, se a tanto me ajudar, porque desde que a conheço, minha alma suspira pela sua veredazinha tão bela e tão divina. Verdadeiramente que me transformou o coração!” 

Estas poucas palavras traduzem muito imperfeitamente a impressão que produziu no meu espírito esta alma angelical, mormente desde o dia em que, pela vez primeira, folheei este livro incomparável: “História de uma alma” (edição francesa), que, por altos desígnios da divina Providência, comprei precisamente no dia em que terminava uma novena feita a “Teresinha” sem que eu o soubesse, por um grupo de amigos. Valha contudo a verdade, só há pouco me resolvi a implorar o seu valimento. 

Tratando-se de um pastor protestante, opunham-se a este passo não poucos obstáculos. Os meus preconceitos inveterados (de 50 anos) lá estavam a atravancar-me o Caminho; mas ainda assim, depois de fazer alguns esforços, sempre consegui romper para a frente com uma alegria que renuncio a descrever. Um dia, estava eu para principiar uma oração quando me disse de improviso: “Porque me suplicas que reze por ti, se não queres reconhecer nem invocar a Virgem Santíssima?” No mesmo instante – pois aquilo foi um relâmpago no céu do meu espírito – compreendi como era pouco lógico invocar a Teresa, deixando de parte a Mãe de Deus. Assim alumiado, recorri imediatamente a Nossa Senhora. Assombrou-me a prontidão da resposta; na mesma hora, assenhoreou-se da minha alma um amor apaixonado, um amor recém-nado, que foi crescendo e é hoje um abismo. Desvaneceram-se os meus preconceitos, e não duvidei mais tempo que devia tratar Maria como o filho carinhoso se há com sua mãe. Consequência deste novo estado de espírito foi embeber-me no estudo mais sério e aprofundado da fé católica. 

No sábado seguinte, tendo que embarcar para X, onde devia pregar, levei comigo vários livros católicos e os li durante a viagem e no presbitério. O estudo dessas obras gravou mais profundamente na minha alma certas impressões favoráveis; estava contudo bem longe de me resolver a abraçar a verdadeira fé. Um maço de apontamentos que então recolhi (aqui os tenho ainda sobre a mesa) denotam quão indeciso estava e, ao mesmo tempo, como ia enfraquecendo o meu apego ao protestantismo, “ao passo que me sentia mais poderosamente atraído para a Igreja Católica. 

Recrudescia a tormenta e ao cabo de menos de uma semana, convenci-me de que era preciso tomar uma resolução decisiva; foi uma semana de angústias, uma agonia de perplexidades que se prolongou ainda oito dias. Repetidas vezes, no espaço dessa quinzena, vi-me alvo dos embates de Satanás; sugeria-me que tudo aquilo era rematada loucura, minha angústia que nem sei como não enlouqueci, e mais de uma vez estive a pique de obtemperar aos conselhos do tentador e de tornar atrás.

Nessas alturas acudia-me Teresa, e com que insinuante meiguice me dizia baixinho: “Segue-me! O meu caminho é seguro!” Soavam-me ao mesmo tempo, aos ouvidos estas palavras do Evangelho: “Quem não leva a sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo”. Teresa levou de vencida todos os obstáculos! Decidi-me a entrar na verdadeira Igreja, e para rebater de vez todos os assaltos do inimigo, escrevi sem demora aos meus superiores de então a noticiar-lhes que doravante ficavam cortadas todas as minhas relações com a Igreja protestante. 

Notável coincidência – e não foi a primeira – em que só mais tarde se reparou; foi a 9 de abril, dia em que a vossa digna filinha rompeu os laços que a retinham longe do Carmelo, que eu também despedacei os meus grilhões, para buscar a minha salvação na Arca bendita da Igreja católica. 

Ao cabo de alguns dias de instrução, entrei no único verdadeiro redil, na quinta-feira 20 de abril, adotando para nomes de batismo os da minha celestial libertadora: Franciscus – Maria – Teresia. 

Que hora tão solene para mim sem dúvida, (a mais comovedora em toda a minha vida e que nunca jamais se me há de varrer da memória! E muito menos ainda me há de esquecer a manhã do dia seguinte, que foi o dia da minha Primeira Comunhão. – Teresa porém já no-lo deixou dito: “Estas coisas não se podem explicar.” 

Como lhe poderei eu agora manifestar a minha gratidão? Sou-lhe devedor de todas as alegrias da fé; ela foi a estrela que me guiou a Belém… Não tivesse se compadecido ela de mim, que a estas horas seria ainda um protestante infeliz, a vaguear por entre as trevas da noite. Se me não tivesse valido – e me apraz repetir aqui o que já publiquei pela imprensa, o que tenho proclamado por toda a parte e confessarei até à morte – se Teresa me não tivesse valido, nunca teria dado ouvidos à voz da verdade católica. Muito me havia de penhorar portanto, Reverenda Madre, se tivesse a gentileza de divulgar também a graça imensa com a qual fui favorecido, a fim de que se torne sempre mais conhecido o poder da intercessão da Santinha de Lisieux, e grande número de outras almas sejam iluminadas e salvas pelo seu intermédio. 

Queira aceitar, Reverenda Madre, a expressão de meu profundo respeito e rezar por mim, para que saiba compreender cada dia melhor a doutrina da minha Mestra celestial e, a exemplo dela, descanse como criancinha nos braços de Deus. Não é, porventura, este o “CAMINHO SEGURO” que com tanta insistência me convidou a trilhar?… 

Francisco – Maria – Teresa Grant 

NOTA:

O Rev Alexandre Grant, membro da United Free Church, Igreja Livre-unida, na Escócia, foi recebido na Igreja Católica pelo R. P. Windowson, S. J., em Edimburgo, a 20 de abril de 1911. É o primeiro pastor da United Free Church que passou ao catolicismo. O Rev. Grant é escocês, nascido em Caithuess.

Santa Teresinha do Menino Jesus. História de uma Alma: escrita por ela mesma. Coleção as Fontes, volume 10. Itatiaia: Belo Horizonte.

Transcrição: Pablo Monteiro e Symon Bezerra