V. A Glorificação de Maria
Após tudo isso, Jesus ressuscitou, apareceu aos Doze, ascendeu aos Céus e a Igreja seguiu sua missão. Maria também fez parte dela, como diz o livro de Atos, no capítulo primeiro. Segundo a tradição, ela foi assunta ao Céu – isto é, “ tendo completado o curso de sua vida terrena, foi assumida, corpo e alma, na glória celeste” (Munificentissimus Deus). Aparentemente, a base bíblica para este dogma é absolutamente nula, mas temos sim evidências. Antes, recapitulando: sabemos já que a Virgem Maria é Imaculada desde o primeiro instante de sua existência, que ela se tornou Eterna Guardiã , isto é, eterna e Nova Arca da Aliança , do Verbo Encarnado; e que tudo isso rendeu-lhe frutos de obediência especiais, já que falamos de uma pessoa tão cumulada de favores por Deus.
Vamos voltar ao Antigo Testamento e analisar duas coisas. Sobre a Assunção de Maria, sabemos que há dois casos que Deus elevou pessoas ao Céu: Elias e Enoque . Como disse certa vez o reverendo presbiteriano Augustus Nicodemus: Deus estabeleceu a morte como pena pelo Pecado Original (que reverbera com o pensamento da encíclica conciliar Gaudium et Spes, n° 18). No entanto, Deus não está limitado às leis que Ele estabelece, podendo realizar feitos excepcionais a estas. Enoque é um caso bem peculiar: é dito, em Gênesis 5, que ele “andou com Deus e desapareceu, porque Deus o levou ” (v.24). E Hebreus 11 diz ainda que ele não viu a morte, pois antes de morrer, tinha agradado a Deus (v.5). Ou seja, Enoque agradou a Deus, e por isso, recebeu o dom de não ver a morte.
Ora, se Enoque agradou tanto a Deus, tanto mais O agradou Maria. E por que ela não receberia o mesmo dom? Deus quer ter Sua Arca, Sua Mãe, introduzida na Jerusalém Celeste. Em Apocalipse 11,19 , São João relata que viu a Arca da Aliança no Céu. A Arca estava desaparecida há séculos, provavelmente seus leitores queriam muito saber como ela estava … mas João começa a falar de uma “uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas”. E quem é essa Mulher? A Virgem Maria, Nova Arca da Aliança, que estava vestida de Sol (Jesus, o Sol da Justiça – Malaquias 3,20), com a lua debaixo dos pés e coroada de doze estrelas. Assim como a Arca foi introduzida na Jerusalém terrena em I Crônicas 15, pelo Rei Davi, a Nova Arca foi introduzida na Nova Jerusalém, pelo Filho de Davi. Assim como Enoque foi arrebatado e Arca foi introduzida em Jerusalém, a Virgem Santíssima foi assunta ao Céu de corpo e alma. Por não ter contraído a corrupção original, a Virgem viveu e santificou-se por seus sofrimentos – especialmente, a espada que transpassou sua alma (Lucas 2,35) e portanto foi digna de ser assunta ao Céu, como nos aponta Duns Scotus.
VI. A Descendência de Maria
Espera um pouco, eu acabei de dizer que Maria não tinha outros filhos além de Jesus. E para quê esse título? Maria não teve outros filhos gerados de seu casamento com José , mas é fato bíblico que ela tem outros filhos. Recentemente, o Papa Francisco institui a festa de “Maria, mãe da Igreja”, celebrada no domingo após Pentecostes. O que significa dizer que Maria é “mãe da Igreja”?
Ainda em Apocalipse 12, é dito que o Dragão atentou contra a Mulher, contra a mesma Arca. Após falhar em derrotá-la, “este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus”. É inegável o significado desse trecho: Maria é mãe daqueles que Jesus tornou, por adoção filial, filhos de Deus.
Isso reverbera com o relato do Evangelho de João (19,26-27): “Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: ‘Mulher, eis aí teu filho’. 27. Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí tua mãe’. E dessa hora em diante o discípulo a recebeu como sua mãe”. Não somente ele deu Sua própria Mãe a nós, mas também a identificou como a mesma Mulher de que fala Gênesis 3,15, cuja descendência – Jesus e também a Igreja – seria inimiga da serpente. Sabemos que Jesus é quem esmaga a serpente em Gênesis, que é um presságio da Cruz – “esta lhe ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”, mas sabemos que a Mulher e seus descendentes vencerão o Dragão de Apocalipse, e até mesmos nós, segundo São Paulo, esmagaremos Satanás debaixo de nossos pés (Romanos 16,20), tomando parte dessa vitória.
Vemos nisso que, se Maria é uma mulher qualquer, não somos inteiramente família de Deus. Quando Maria foi feita Mãe de Deus, foi para sempre, afinal de contas Deus não muda. Quando fomos feitos filhos de Deus, fomos feitos para sempre – mediante nossa fidelidade a Ele. E Maria foi Esposa fiel do Espírito Santo, dando frutos de obras e fé. Maria é o meio pelo qual Jesus veio ao mundo e foi formado como ser humano, e é em Maria que Ele quer nos formar à Imagem d’Ele (S. Luís de Montfort).
VII. A Premiação de Maria
“Aos que [Deus] justificou, também os glorificou”, diz São Paulo em Romanos 8,30. Maria, justificada pelo poder de Deus, foi glorificada ao ponto de ser assunta ao Céu como Enoque e Elias foram. Mas há uma tipologia entre Jesus e a Casa de Davi que Apocalipse 12 também faz menção. Salomão, em I Reis 3, pôs uma cadeira para sua mãe à direita do seu trono. Salomão teve centenas de mulheres, mas uma só sentou ao seu lado, e esta foi sua mãe. Isso explicaria o porquê de Atalia matou os filhos do rei Acazias, seu filho, quando este foi morto: a rainha estava usurpando o trono para si.
Por tipologia, concluímos que, Jesus coroou Maria como Rainha dos Céus, afinal de contas o Seu Reino não era deste mundo, como ele mesmo disse a Pilatos. Podemos até ligar isso com o Evangelho, quando Maria canta que Deus viu a “olhou para sua pobre serva. Por isso, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações”. As bem-aventuranças, segundo o Sermão da Montanha, prometem recompensas eternas: ver a Deus, ser consolado, possuir a terra, etc. Qual a bem-aventurança de Maria? Tomar o lugar à direita do Filho, reservado à Mãe do Rei, o Filho de Davi. Ele até cita esse lugar próximo ao trono quando os filhos de Zebedeu pedem lugares de honra no Reino dos Céus, em Mateus 20,20-24.
Sendo assim, se Maria é uma mulher qualquer, não temos muitas esperanças de uma recompensa celeste. Sabemos que o prêmio da nossa fé será ver a Deus face a face, como Paulo aponta em Romanos 13, dizendo que tudo passará, menos o Amor. Deus é Amor (I João 4,8), e a fé é o fundamento do que não se vê (Hebreus 11,1). Isto é, o prêmio da fé será ver o que acreditamos sem ver, como disse Jesus a Tomé: “Felizes aqueles que creem sem ter visto”.
Se a serva fiel, guardiã eterna do Verbo e Arca da Nova Aliança não tem uma recompensa celestial à altura, coitados de nós. A perfeição da redenção de Cristo preservou Maria do pecado. Os méritos deles são plenos em Maria, ela é o protótipo da nossa redenção. Ela é nossa “vida, doçura e esperança”.
VIII. Considerações Finais
Ao final desse texto, eu percebi que falei um monte, mas o meu objetivo não vai ser alcançado com um texto de mais de 7300 palavras. Compreender tais verdades leva tempo, paciência, estudo, oração, discernimento e humildade, além da Graça de Deus que deve vir antes de qualquer coisa! Esse texto nem cobre tudo que se pode dizer com base nas Sagradas Escrituras sobre a Santíssima Mãe de Deus, mas creio ter percorrido o suficiente para dizer que Maria não é uma mulher qualquer, pois Deus não é um Deus qualquer!
Devo reconhecer que esse trabalho todo não convencerá ninguém da Verdade, pois só o Espírito Santo fará isso. Mas peço a Deus que ele seja um grão de areia, na jornada das almas que vierem a ter acesso a ele, por algum motivo.
Alguém pode até perguntar: para quê preciso de Maria? Digo-te em palavras simples: para amá-la! “O caminho mais curto para a loucura por Jesus é um amor confiado à Maria Santíssima”, como disse Escrivá. Eu também descobri esse caminho. Aprendi a amá-la, sem medo, pois sei que jamais amarei ela como Jesus a amou! (S. Maximiliano Maria Kolbe) Esta via me trouxe ao amor por Jesus, e só tenho progredido cada vez mais em amar a Deus acima de todas as coisas.
Mas essa história fica para outro dia.
Ad majorem Deo gloriam! In Christum, per Mariam!
Symon Bezerra