John Henry Newman, precursor do Concílio Vaticano II – Por Daniel Iglesias Grèzes
1. Introdução
Em sua primeira versão (de 1998), este trabalho não era mais que um resumo (que preparei para um grupo de estudos) de: Charles Stephen Dessain, Vida e pensamento do Cardeal Newman, Edições Paulinas, Madrid, 1990. A segunda versão foi um texto utilizado numa conferência que fiz na Universidade de Montevideo em 2001, por ocasião do bicentenário do nascimento de Newman. A terceira versão foi utilizada em meu terceiro livro (ver a nota final). Inclusive, esta atual versão segue dependendo muito dessa excelente biografia de Newman, embora, para simplificar, eu não tenha indicado em cada etapa as referências correspondentes. Aqui, pois, assinalo que utilizei a obra de Dessain extensivamente, sobretudo as seções biográficas, mas também a descrição das contribuições teológicas de Newman.
Meu interesse por Newman provém de um comentário realizado pelo Papa Paulo VI em uma entrevista. Paulo VI argumentou que muitas vezes a obra de um teólogo só dá plenos frutos na Igreja muito tempo depois de sua morte. Assim, por exemplo, a teologia de Santo Tomás de Aquino foi assumida plenamente no Concílio de Trento, três séculos depois da morte do santo doutor. Em seguida, Paulo VI acrescentou esta afirmação que, na época, me pareceu surpreendente: quando se analisar a questão com profundidade, se verá que o Concílio Vaticano II foi o Concílio de Newman.
A presente exposição possui dois objetivos:
• Contribuir na difusão e conhecimento da vida e obra de Newman. Nesse sentido, incluirei algumas seções biográficas;
• Analisar as principais contribuições do pensamento de Newman no Concílio Vaticano II, que permitem caracterizar a este como “o Concílio de Newman”.
A ordem que se seguirá esta exposição combina estes dois objetivos. Dedicarei um capítulo a cada uma das três grandes etapas do itinerário espiritual seguido por Newman até sua adesão plena à fé católica, relacionando cada etapa com um dos três grandes princípios do pensamento teológico de Newman. Além disso, associarei as maiores contribuições teológicas de Newman a cada um desses princípios, usando um critério sistemático, e não cronológico. Finalmente, tentarei mostrar em cada caso como essas contribuições de Newman prefiguram algumas das características princípios do único Concílio ecumênico do século XX.
Meu ponto de partida é um texto no qual o próprio Newman resumiu os três princípios básicos de suas ideias religiosas, por volta de 1833:
“O primeiro era o princípio do dogma. Minha batalha era contra o liberalismo; e por liberalismo entendo o princípio antidogmático e suas consequências… Desde os quinze anos, o dogma tem sido o princípio fundamental da minha religião. Não conheço outra; não consigo me acostumar com a ideia de outra espécie de religião; a religião como mero sentimento é para mim um sonho e uma piada… Seria como ter amor filial sem a realidade de um padre, a devoção sem a realidade de um ser supremo… Em segundo lugar, eu estava confiante na verdade de certos ensinamentos religioso definidos, baseado nos fundamentos do dogma, a saber: que há uma Igreja visível, com sacramentos e ritos que são os canais da graça invisível… Quanto ao terceiro ponto,… – minha opinião [negativa] sobre a Igreja de Roma. -…” (Apologia pro vita sua, pp. 42-45)
Newman manteve até o final de sua vida uma firme adesão aos seus primeiros princípios (o dogma e o ‘sistema sacramental’). Ao contrário, seu terceiro princípio (a oposição à Igreja de Roma) esvaneceu-se gradualmente, até que, em 1845, renunciou a ele e o substituiu por seu oposto: a comunhão com Roma.
2. O princípio do dogma
A primeira conversão: da religiosidade convencional ao anglicanismo evangélico
John Henry Newman nasceu em 21 de fevereiro de 1801, no centro de Londres, no seio de uma rica família anglicana. Era o mais velho de seis irmãos. Seu pai era um banqueiro, bastante liberal em matéria religiosa. Sua mãe, de antepassados huguenotes, educou-o, desde criança, no gosto pela leitura da Bíblia. No entanto, ainda que conhecesse muito bem sua Bíblia e seu catecismo anglicano, ele não teve convicções religiosas precisas até os quinze anos. Quando criança e adolescente era imaginativo e um tanto supersticioso. De 1806 até 1816 frequentou o colégio privado de Ealing, onde se destacou como aluno brilhante.
Por volta de 1815, Newman pensava em ser virtuoso, mas não religioso, pois não via sentido de amar a Deus. Naquela época, teve uma crise de fé produzida pela leitura de alguns autores incrédulos do século XVIII. Então, aconteceu o fato decisivo em sua vida: sua primeira conversão. Ele mesmo a descreve assim:
“Aos meus quinze anos (no outono de 1816) uma grande mudança ocorreu em meu pensamento. Caí sob a influência de um credo definitivo e recebi em minha inteligência impressões do que é um dogma que, por misericórdia de Deus, nunca foi apagado ou obscurecido” (Apologia pro vita sua, p. 5)
Em março de 1816, o banco que o pai de Newman possuía suspendeu os pagamentos e, posteriormente, fechou, a renda da família Newman viria a ficar comprometida. Enquanto isso, John Henrry Newman sofreu uma grave enfermidade, pela qual foi autorizado a permanecer no colégio durante as férias de verão. Também permaneceu no colégio o reverendo Walter Mayses, que foi o instrumento humano para o início da fé divina em Newman. Mais que palavras e o exemplo, Newman foi influenciado pelos livros calvinistas que Mayses pôs em suas mãos. O escritor que mais o impressionou foi Thomas Scott. Este, partindo do deísmo e passando pelo unitarismo, depois de um longo processo de busca ardente pela Verdade, chegou ao cristianismo em sua forma calvinista mais moderada. A leitura de suas obras imprimiu profundamente na alma de Newman a fé nas doutrinas da Santíssima Trindade, da Encarnação e da Redenção. Outros dois livros que leu pouco depois produziram nele tendências contrárias: Milner o fez apaixonar-se pelos Padres da Igreja, enquanto que Newton o convenceu firmamente que o Papa era o Anticristo predito por São Paulo e São João.
Esta primeira conversão introduziu Newman na tendência evangélica dentro do anglicanismo, impulsionando-o a estudar a fundo a religião revelada e a aceitar o ideal de santidade segundo o Evangelho. Logo depois, Newman percebeu (discerniu) que a vontade de Deus era que ele permanecesse celibatário por toda a sua vida.
Contribuições teológicas de Newman ligadas ao princípio do dogma
A expressão newmaniana “princípio do dogma” equivale a “princípio da revelação sobrenatural”. A negação deste princípio ficou conhecida pelo nome de “liberalismo” na teologia protestante do século XIX e de “modernismo” na teologia católica no início do século XX.
Depois de sua primeira conversão, Newman aceitou com fé firma a revelação de Deus em Jesus Cristo Por conseguinte, nesta seção apresentarei as principais contribuições teológica de Newman relacionados com a revelação e a salvação cristã, a fé e sua fundamenação, e a Sagrada Escritura.
a) A fé como assentimento real
Em 1870, Newman publicou sua obra filosófica principal, o “Ensaio em favor de uma gramática do assentimento”, em que trabalhou durante vinte anos. O objetivo do livro é duplo: a primeira parte, demonstra que é possível crer no que não se pode compreender totalmente; na segunda parte, que se pode crer no que se não se pode provar estritamente.
Newman distingue entre a inferência e o assentimento, e entre duas classes de assentimento que denomina assentimento nocional e assentimento real. A fé, segundo Newman, não é um assentimento nocional, senão um assentimento real. Newman mostra como, a partir de nosso senso de obrigação moral, podemos chegar a prestar um assentimento firme à realidade de Deus como presença viva e pessoal, não como mera noção intelectual. O ser humano dispõe de um “sentido ilativo” que nos permite chegar à certeza em matéria de fé, a partir de uma convergência de probabilidades.
O Concílio Vaticano I insistiu sobretudo no aspecto intelectual da fé, por isso apresentou a fé como aceitação das verdades reveladas, em função da autoridade de Deus. Nessa mesma época a apologética católica tendia a buscar uma demonstração racional do fato e do conteúdo da revelação cristã.
O Concílio Vaticano II, por sua vez manteve a doutrina do Vaticano I, sublinhou que a msma pessoa de Jesus Cristo é a plenitude da revelação e que a fé é uma adesão à sua pessoa. A Palavra de Deus encarnada nos comunica verdades, mas, antes de mais nada, se comunica a nós numa entrega amorosa, que tem seu ápice no mistério pascal.
b) A via da consciência
Newman foi um grande defensor dos direitos da consciência, numa época em que a Igreja católica via o tema da “liberdade de consciência” com desconfiança. Ele considerava a consciência como o princípio essencial e a confirmação da religião em nosso espírito. A consciência é a base da religião natural e conduz à ideia de um Deus pessoal e à fé cristã. No caso da religião revelada, a consciência pode extrair da convicção moral uma certeza mais forte do aquela que provém do puro raciocínio lógico. A seguinte citação sintetiza o pensamento de Newman sobre a consciência como caminho para o conhecimento de Deus:
“Nosso grande mestre interior da religião é a nossa consciência. A consciência é um guia pessoal, e a utilizo porque preciso usar a mim mesmo. Sou tão incapaz de pensar com uma mente que não seja a minha quanto de respirar com os pulmões de outra. A consciência está mais perto de mim do que qualquer outro meio de conhecimento. E do mesmo modo que foi dado a mim, também foi dado a outros; e uma vez que é carregado consigo por cada indivíduo em seu próprio coração e não requer nada além de si mesmo, está, portanto, adaptado para comunicar a cada um separadamente esse conhecimento que é o mais decisivo para o indivíduo… A consciência, por outra parte, nos ensina apenas o que Deus é, mas o que Ele é, dando ao espírito Sua imagem real, como meio para sua adoração; nos dá a regra ditada por Ele do certo e do errado, e um código de deveres morais. Além disso, está constituída de tal maneira que, se a obedece, torna-se mais claro em seus mandamentos, e seu campo se amplia, e corrige e completa a fragilidade acidental dos seus ensinamentos iniciais.” (Gramática do Assentimento, p. 10)
A teologia contemporânea deu continuidade à tendência de reavaliação da consciência, embora alguns autores (sobretudo moralistas) tenham caído no subjetivismo ou relativismo.
O Concílio Vaticano II enfatizou a dignidade da consciência moral, apresentando-a como o santuário inviolável no qual o encontro e o diálogo entre Deus e o homem acontecem (Cf. Gaudium et Spes, n. 16). Não é lícito impedir ao homem de agir de acordo com sua consciência ou força-lo a agir contra ela, principalmente em matéria religiosa (Cf. Dignitatis Humanae, nn. 3.10)
Se por um lado, a filosofia escolástica tendia a privilegiar as provas cosmológicas da existência de Deus; por outro, os filósofos cristãos contemporâneos, seguindo os passos de Newman, geralmente partem do homem para chegar a Deus.
c) A inabitação divina
Um dos aspectos mais ressaltados da pregação de Newman foi sua insistência na doutrina da inabitação na alma do Espírito Santo e, por meio D’Ele, o Pai e o Filho. O verdadeiro cristianismo é a presença de pessoas: conhecer o Pai por meio do Filho no Espírito Santo. Esta inabitação é o fundamento da vida nova de união com Deus que a religião cristã oferece à humanidade. Newman recordar aos seus ouvintes que eram templos de Deus e insista na presença pessoal de Nosso Senhor Jesus Cristo na alma, além de sua presença oferecida na Eucaristia.
A doutrina da habitação divina, tão proeminente na teologia patrística, que enfatizava a divinização do homem pela graça de Deus, havia sido um tanto negligenciada pela escolástica. Esta, normalmente, insistia mais na graça criada (as virtudes e os dons do Espírito Santo) do que na graça incriada (o dom do próprio Deus uno e trino). Esta negligência foi uma das causas do fraco desenvolvimento da pneumatologia e da escassez de referências ao Espírito Santo na piedade católica comum.
A teologia do século XX, seguindo os passos de Newman, continuou o desenvolvimento da doutrina da graça incriada e refletiu sobre a relação do cristão com cada uma das três pessoas divinas.
O Concílio Vaticano II, recolhendo reflexões semelhantes, destacou a origem trinitária da Igreja (Cf. Lumen Gentium, nn. 2-4) e de sua atividade missionária (Cf. Ad Gentes, nn. 2-4) e ensinou que, por sua Encarnação, o Filho de Deus se uniu de certo modo a cada homem (Cf. Gaudium et Spes, n. 22).
d) A história da salvação centrada em Cristo
Outro aspecto importante da pregação de Newman foi sua insistência no caráter histórico da revelação e a posição central de Jesus Cristo na história da revelação e da salvação. O Deus invisível se revelou na condição e na história do homem. O Espírito Santo fez que a história se transformasse em doutrina. Todas as etapas da economia divina tendem à manifestação de seu centro: o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Cristo. A encarnação do Filho de Deus é a promessa e o começo de nosso nascimento como filho de Deus no Espírito Santo. Para ilustrar este ponto, citarei um dos sermões de Newman:
“A revelação nos vem encontrar com fatos simples e ações claras, não com induções laboriosas de certos fenômenos que ocorrem no mundo, não com leis generalizadas ou conjecturas metafísicas, mas com Jesus e a ressureição… A vida de Cristo reúne e concentra verdades que se referem ao bem principal do nosso ser e às leis que o regem, verdades que são vagas, estéreis e abandonadas na superfície do mundo moral, e que muitas vezes dão a impressão de discordar uma das outras” (Sermões Universitários, p. 2)
O enfoque histórico-salvífico e cristocêntrico é uma das características principais da doutrina do Concílio Vaticano II e da teologia contemporânea. Este enfoque pode ser encontrado em todos os documentos do Concílio, particularmente na constituição dogmática Dei Verbum. O Concílio ensinou que a revelação não é um simples conjunto de proposições, mas que resplandece na pessoa de Cristo (Cf. Dei Verbum, n.2 ). Ele mesmo, em todos os momentos e aspectos de sua vida, é a grande manifestação do mistério de Deus e do mistério do homem, o grande dom salvífico de Deus para a humanidade. (Cf. Dei Verbum, n.4)
e) A centralidade do mistério pascal
Newman enfatizou o lugar central do mistério pascal no cristianismo, numa época em que muitos cristãos negligenciavam sua importância. A Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo é a chave da interpretação cristã da vida e da origem da regeneração do homem. Dele emana o poder (a força) dos sacramentos. Todos os discípulos de Cristo ressuscitado devem ser elevados e transfigurados com Ele. Depois de sua Ascenção, Cristo enviou seu Espírito para consumar sua presença entre os fieis cristãos.
A primazia do mistério pascal é outra das características mais acentuadas no ensinamento do Concílio Vaticano II e da teologia atual. Este aspecto pode ser descoberto particularmente na constituição Sacrossanctum Concilium (Cf. nn. 5-6), entre outros documentos conciliares.
Realçar a centralidade da Páscoa na vida cristão foi um dos objetivos fundamentais da reforma litúrgica anterior e posterior ao último Concílio.
f) A inerrância bíblica
Desde o século XVII o avanço das ciências e o surgimento do estudo crítico da Bíblia levou um número crescente de intelectuais a questionar o dogma da inerrância bíblica. Na segunda metade do século XIX, a “questão bíblica” estava em sua fase mais ardente, sobretudo a partir da divulgação da teoria evolucionista de Charles Darwin. Embora Newman, depois de sua conversão ao catolicismo, não se sentisse chamado a resolver os problemas pendentes da teologia católica, ele não deixou de fazer uma contribuição importante em torno da referida questão.
Numa idade muita avançada, Newman publicou em 1884 um artigo sobre a inspiração bíblica, em que ele declarou que a inerrância da Sagrada Escritura não dizia respeito a necessariamente a dados científicos e históricos – obiter dicta (“coisas ditas de passagem”) -, embora incluísse questões de fé e moral e a história ligada a elas. Embora Newman já fosse cardeal, seu artigo lhe rendeu duras críticas e sua tese foi majoritoriamente rechaçada naquele momento.
Apesar da formulação defeituosa de sua tese, Newman chegou notavelmente perto de dar solução à questão bíblica. A Bíblia transmite sem erro uma verdade religiosa salvífica, através de diversos gêneros literários e em contexto culturais que devem ser levados em conta para sua correta interpretação. Esta abordagem foi assumida finalmente pelo Concílio Vaticano II, após longas e ardorosas discussões, no Capítulo 3 da constituição dogmática Dei Verbum.
3. O princípio sacramental
A segunda conversão: do anglicanismo evangélico ao anglicanismo católico
Em 1817, Newman ingressou no Trinity College de Oxford. Naquela época, apenas os anglicanos podiam estudar ou ensinar na Universidade de Oxford. Pouco depois celebrou sua primeira comunhão na capela do Colégio. Em 1820, se graduou como Bacharel em Artes e em 1822 foi eleito membro do Oriel College, centro universitário de Oxford que estava no auge de sua fama intelectual.
Em 1824, Newman foi ordenado diácono. Em seguida, assumiu a responsabilidade pelas almas, que inspirou todos os seus empreendimentos. Pouco depois foi nomeado coadjutor de uma paróquia pobre de Oxford (São Clemente). Por volta dessa, suas doutrinas protestantes começaram a desaparecer. Durante os anos seguintes, Newman foi recuperando lentamente o conjunto quase completo das verdades da religião revelada. Edward Hawkins, pároco de Santa Maria, o ensinou a aceitar a doutrina da regeneração batismal e a necessidade da tradição eclesial para interpretar a Bíblia. Um livro do bispo Butler o ensinou a doutrina da Igreja visível, oráculo da verdade e modelo de santidade, dos deveres da religião exterior eo caráter histórico da revelação.
Em 1826, Newman foi promido ao cargo de tutor oficial no Oriel College. Ali, fez amizade com Richard Hurrel Froude, por meio do qual entrou em contato com as crenças da High Church, ou seja, a tendência católica dentro do anglicanismo, muito minotária naquela época. Graças a influência de Froude, Newman pouco a pouco se afastou da reforma protestante e começou a olhar com simpatia a Igreja de Roma. Froude também ensinou a Newman a crer na presença real de Cristo na Eucaristia, a ter devoção à Santíssima Virgem Maria e a aceitar a doutrina da sucessão apostólica.
Newman havia estudado a fundo a Sagrada Escritura e sabia de memória grande parte dela. Em 1828, começou a ler as obras dos Padres da Igreja, por ordem cronológica. Então, outro grande receptáculo do tesouro da revelação foi aberto para ele.
Em 1828, Newman foi nomeado pároco da Igreja universóaria de Santa Maria. A paróquia abrangia também a humilde aldeia de Littlemore. Newman foi um pregador extraordinário (grifo do autor). Seus sermões, intensamente dogmáticos e sumamente práticos, tiverem uma profunda inflencia em muitos estudantes da Universidade e, posteriormente, em um setor importante da classe dirigente e instruída. Dos aproximadamente seicentos sermões que Newman escreveu como anglicano, bem mais da metade foram pregados antes de 1833. Até o final de 1832, Newman pregou vários sermões oficiais na Universidade.
Contribuições teológicas de Newman vinculados ao princípio sacramental
O “sistema sacramental” que preside a eclesiologia de Newman consiste basicamente numa concepção sobrenatural da Igreja.
Ao longo de sua segunda conversão, Newman afastou-se cada vez mais das doutrinas protestantes e tornou sua cada vez mais a plenidade da verdade católica, e, especialmente, a verdade acerca da Igreja. Por isso, incluirei nesta seção as contribuições teológicas de Newman sobre a Tradição eclesial, o mistério da Igreja e a relação Igreja-Mundo.
a) A volta aos Padres da Igreja
A teologia pós tridentina havia negligenciado o contato direto com a teologia patrística. A teologia de Newman, ao contrário, estava amplamente baseada em seu conhecimento dos escritos dos Padres da Igreja, que ocupavam uma grande parte de sua biblioteca. Algumas das contribuições não foram, em última análise, devido à originalidade do seu pensamento, mas à sua familiaridade com a teologia patrística. Isto se aplica, por exemplo, às suas doutrinas sobre a inabitação divina, o mistério pascal e o mistério da Igreja.
Seguindo o exemplo de Newman, a teologia do século XX fez um retorno aos Padres da Igreja, considerados não somente como teólogos, mas também como testemunhas privilegiadas da Tradição eclesial.
O Concílio Vaticano II se beneficiou desse retorno aos Padres e, por sua vez, o reforçou. A forte influência da teologia patrística no Vaticano II se manifesta quantitativamente nas numerosas citações dos Padres da Igreja e qualitativamente em muitas das doutrinas expostas pelo Concílio. Em vez, disso, as citações dos Padres (excetuando Santo Agostinho) são escassas nos documentos dos Concílios de Trento e Vaticano I.
b) A Igreja-sacramento
A eclesiologia teve um desenvolvimento relativamente pequeno no período da alta escolástica. Na eclesiologia do século XIX predominavam os conceitos jurídicos (a Igreja como sociedade perfeita e hierárquica) sobre os conceitos mais propriamente teológicos (a Igreja como Povo de Deus e Corpo de Cristo).
Também neste tema Newman efetuou um retorno às doutrinas da época patrística. Uma das ideias religiosas básicas de Newman era o que ele chamava de “sistema sacramental”. Os sacramentos são sinais e instrumentos visíveis da graça invisível. A Igreja é uma instituição visível que torna presente no mundo o Deus invisível. Portanto, a Igreja possui um caráter sacramental, isto é, de mistério. Newman teve uma grande devoção à Santa Igreja e sempre procurou conscientizar seus membros de que eram chamados por Deus a serem santos.
O tema principal do Concílio Vaticano II foi a Igreja. Quase todos os seus documentos estão relacionados a este tema. O documento principal do Vaticano II é a constituição dogmática sobre a Igreja (Lumen Gentium). A doutrina da Lumen Gentium está centrada no mistério da Igreja (Cf. Capítulo I). Os dois pontos principais de seus ensinamentos são a apresentação da Igreja como “sacramento universal da salvação” (n. 48; cf. 1 e 8) e a ênfase colocada na vocação universal à santidade. (cf. Capítulo 5).
c) A autonomia do temporal
Desde a Idade Média, a Igreja experimentou um forte processo de clericalização, que viu acentuado a partir do século XVIII pelo processo de secularização da sociedade civil. A Igreja teve grandes dificuldades para adaptar-se à nova situação e em muitos casos interviu nas questões temporais de um modo que era compreensível na época da Cristandade, mas que era questionável desde a época do Renascimento e do Iluminismo. Basta pensar no tema do poder temporal do Papado, que sobreviu até o tempo do Concílio Vaticano I (1870).
Refletindo acerca do aspecto cultural da secularização, Newman entendeu que a razão possuindo certa autonomia da fé, mas não deve dela estar dissociada, razão pela qual a Igreja não pode pretender governar o progresso da ciência como tal (embora deva lidar com problemas religiosos e morais relacionadas que estão intimamente relacionados com a ciência). A postura de Newman, muito avançada para a época do Index e do Syllabus, está exposta na seguinte citação:
“Este, então, imagino que é o objetivo da santa Sé e da Igreja Católica ao fundar universidades: unir coisas que no princípio estavam unidas por Deus, e que estão separadas pelo homem. Algumas pessos dirão que estou pensamento em limitar, deformar e atrofiar o desenvolvimento do intelecto por meio da supervisão eclesiástica. Não tenho esta intenção. Tampouco tenho intenção de transigir, como se a religião devesse abrir mão de algo e a ciência também. Desejo que o intelecto se expanda com maior liberdade e a religião desfrute de igual liberdade, mas o que coloco como condição é que estejam no mesmo lugar e nas mesmas pessoas… Não ficarei safisfeito com o que satisfaz a tantos, tendo dois sistemas independentes, intelectual e religioso, caminhando um ao lado do outro ao mesmo tempo, por uma espécie de divisão do trabalho, e só reunidos acidentalmente. Não vou me satisfazer se… os jovens conversam com a ciência o dia todo e se apresentam à religião à noite… A devoção não é algum tipo de fim oferecido à ciência, nem a ciência… um ornamento e uma ninharia de devoção. Quero que os intelectuais seculares sejam religiosos e os eclesiásticos devotos sejam intelectuais.” (Discurso na Igreja da Universidade Católica da Irlanda)
As posições avançadas de Newman (a questão do poder temporal do Papado, por exemplo) o condenaram a sofrer duras críticas dos setores ultramontanos, muito influentes na Igreja Católica do século XIX.
O Concílio Vaticano II realizou um aggiornamento da Igreja há muito esperado. Quanto às relações da Igreja com o mundo, podemos afirmar, em termos gerais, que se passou de uma atitude em que predominava a rejeição do mundo moderno a uma atitude de maior abertura e diálogo, que se manifestou, por exemplo, na ausência de anátemas nos documentos conciliares. A constituição pastoral sobre a Igreja no mundo atual (Gaudium et Spes) – em si uma novidade – reconhece uma determinada autonomia das realidades terrenas – especialmente da cultura, das ciências e da comunidade política – com respeito à Igreja. (Cf. nn. 36, 59 e 76). A declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis Humanae estabelece que a liberdade da Igreja é um princípio fundamental nas relações entre a Igreja e a ordem civil. Esta liberdade é necessária para a que a Igreja possa cumprir plenamente sua missão salvífica. (Cf. n. 13).
4. O princípio da comunhão com Roma
A terceira conversão: do anglicanismo ao catolicismo
Em 14 de julho de 1833, John Keble pregou do púlpido de Santa Maria um sermão sobre a apostasia nacional, que Newman considerou como o começo do célebre “Movimento de Oxford”. Um pequeno grupo de seguidores da High Church se mobilizou rapidamente. Seu primeiro objeto era defender a liberdade da Igreja em relação ao Estado, baseando-se na origem apostólica da autoridade eclesiástica, para isso Newman propôs a publicação dos “Folhetos da Atualidade” (Tracts for the Times). Logo os folhetos foram vendidos em grandes quantidades. Newman dedicou grande parte de suas energias ao movimento que estava em marcha, ele comparecia às reuniões e assembleias de todos os tipos, e mantinha uma correspondência abundante.
Ao recuperar o ciclo completo das verdades cristãs, Newman deu a impressão de estar difundado a doutrina da Igreja Romana. Por isso foi acusado de “papista”, a acusação mais nociva que poderia ser feita na Inglaterra nesta época. Tendo isso em mente, Newman dedicou três tracts à questão da Igreja romana. Neles, sustentava que a Igreja anglicana estava situada na Via media entre os reformadores protestantes e os seguidores de Roma, que a única Igreja visível se havia dividido em três ramos, a igreja romana, a grega e a anglicana, e que a verdade revelada deve ser encontrada de maneira íntegra antes da divisão, na doutrina da antiguidade. O próprio Newman apontava a grande dificuldade de sua teoria: até então a Via mediai existia apenas no papel, porém nunca havia sido posta em prática.
Em 1839, Newman pressentiu, pela primeira vez que a Igreja de Roma poderia estar certa em sua controvérsia com a Igreja anglicana. Ao estudar as histórias dos monofisitas e dos donatistas, Newman entreviu que a Igreja de Romana era a Igreja dos Padres. No entanto, esse pensamento desvaneceu-se rapidamente.
Enquanto isso, muitos tractarianos começaram a se inclinar para Roma. Para mantê-los dentro da Igreja anglicana, mostrando-lhes que era genuinamente católica, Newman escreveu o Tract 90. Este, é o último e mais famosos dos Tracts for Times, foi publicano em fevereiro de 1841. Seu objetivo era demonstrar que os “39 artigos” anglicanos podiam se interpretados de um modo compatível com a doutrina católica. A reação protestante foi forte. Em Oxford, o conselho de diretores das faculdades condenou Newman como desleal. Newman foi objeto de muita maledicência por parte dos liberais de Oxford e da tendência evangélica em geral.
Durante o verão de 1841, quando Newman se encontrava traduzindo os tratados de Santo Atanáio contra Ário, a história dos arianos apareceu para ele sob uma nova luz. Os arianos eram como os protesntantes, os semiarianos seguiam a Via media como os anglicanos e Roma era agora o que era antes. Pouco depois os bispos anglicanos começaram a acusar Newman e a rechaçar o Tract 90; e continuaram a fazê-lo durante os três anos seguintes. Em outubro de 1841, um terceiro golpe abalou a fé de Newman na Igreja anglicana: a criação de um bispado anglicano em Jerusalém, com jurisficação sobre as congregações luterana e calvinista.
Ao final de 1841, Newman decidiu viver retirado em Littlemore. Evitaria, assim, atuar como líder de um setor oposto aos bispos e, em clina de oração e penitência, poderia refletir sobre os problemas que o preocupavam. Em outubro de 1842, ele ficou permanentemente em Littlemore, acompanhado por discípulos ou visitantes durante períodos mais ou menos longos. O modo de vida ali era livre, sendo uma espécie de ponto de partida para vida religiosa regular dentro da Igreja anglicana. Newman dedicava quatro horas e meia, todos os dias, à oração e nove ao estudos e trabalho de traduções. A leitura dos Sermões de Santo Afonso de Ligório e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola ajudou a Newman a superar alguns dificiculdades que encontrava no catolicismo.
No final de 1842, Newman dedicou sua atenção ao tema do desenvolvimento da doutrina cristã. Ele percebia que todas as ideias cristãs haviam crescido com o transcurso do tempo, mas a substância da doutrina católica permaneceu. As “adições romanas” podiam ser vistas como desdobramentos originados de intensa e penetrante realização do depósito divino da fé.
Em fevereiro de 1843, Newman se retratou formalmente de todas as coisas duras que havia dito contra a Igreja de Roma. Em setembro desse ano pregou seu último sermão como anglicano e apresentou a renúncia de seu cargo eclesiástico. Sentia uma intensa dor pela angústia do seu itinerário espiritual produzia em muitos dos seus amigos anglicanos.
A virtual condenação do Tract 90 deu início ao que mais tarde se tornou uma grande onda de conversões à Igreja Católica. Converter-se ao catolicismo na Inglaterra em meados do século XIX possuía consequências sociais muito graves: os católicos sofriam fortes discriminações e tinham seus direitos civis caçados. A própria Igreja Católica, tal como existia em concreto, parecia humanamente pouco atrativa para Newman. Apenas um estado de certeza inquebrantável o conduzia.
No começo de 1845, Newman começou a escrever seu “Ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã”. Se no final de sua obra suas convicções favoráveis à Igreja de Roma permanecessem, deveria agiria de acordo com elas. Ele trabalhou continuamente até outubro. Conforme progredia, suas dificuldades foram desaparecendo. Antes de terminar o livro, Newman estava convencido que a Igreja romana era idêntica à Igreja da antiguidade. Por conseguinte, resolveu entrar na Igreja Católica e deu o livro ficou inacabado.
Abandonar o anglicanismo foi extremamente doloroso, Newman teve que deixar para trás muitas coisas que amava e sofrer a ruptura em suas relações com a grande maioria dos seus amigos, até mesmo com sua própria família.
Contribuições teológicas de Newman vinculadas ao princípio da comunhão com Roma
Através do longo processo de sua “terceira conversão”, Newman se convenceu que a Igreja católica, governada pelo Bispo de Roma , era a mesma Igreja de Jesus Cristo, dos Apóstolos e dos Padres da Igreja. Por isso, incluirei aqui as contribuições teológicas de Newman relacionadas à eclesiologia fundamental, o diálogo ecumênico e a reforma da Igreja católica.
a) O desenvolvimento do dogma
Um dos contributos teológicos fundamentais de Newman foi sua teoria do desenvolvimento do dogma no seu “Ensaio do desenvolvimento da doutrina cristã”. Quatorze anos antes da publicação do livro de Charles Darwin sobre a origem das espécies, Newman introduziu na teologia (de forma muito equilibrada) a ideia de evolução histórica. Na introdução ao ensaio, Newman fez uma apresentação sintética de sua teoria:
“O crescimento e a expansão do credo e do ritual cristão, e as variações que acompanharam o processo no caso dos escritores e Igrejas individuais, são os fenômenos que necessariamente acompanham qualquer filosofia ou forma de governo que vá ao fundo do intelecto e do coração, e que tenha tido um predomínio largo ou extenso. Pela natureza da mente humana é necessário o tempo para compreender plenamente trazer grandes ideias à perfeição. As verdades mais sublimes e extraordinárias, embora tenham sido comunicadas ao mundo de uma vez por todas por mestres inspirados, não podem ser compreendidas por seus destinatários de uma única vez, mas, tendo sido recebidas e transmitidas por mentes não inspirados e através de meios humanos, requerem mais tempo e uma meditação mais profunda para sua elucidação completa. Isto se pode chamar de a teoria do desenvolvimento da doutrina” (Ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã. Introdução, pág. 56)
A teoria de Newman sobre o desenvolvimento do dogma encontrou acolhida pela teologia católica do século XX.
O próprio Concílio Vaticano II é um excelente exemplo da validade dessa teoria. Por uma parte, os Padres Conciliares assumiram explicitamente os ensinamentos dos concílios anteriores, particularmente os Concílios de Trento e Vaticano I (Cf. Dei Verbum, n. 1); por outra parte, levaram a cabo, conscientemente, um autêntico desenvolvimento doutrinal, que pode ser visto, sobretudo nos ensinamentos do Vaticano II sobre a Divina Revelação, a Igreja, a relação Igreja-Mundo, o ecumenismo e a liberdade religiosa (cf. Dignitatis Humanae, n. 1)
b) O ecumenismo
No século XIX, as relações instituições entre Igreja Católica e as demais Igrejas cristãs eram virtualmente inexistentes. No âmbito popular as relações entre as diversas confissões cristãs estavam marcadas por um alto grau de agressividade. O diálogo teológico se reduzia comumente a uma forte controvérsia.
Desde jovem, Newman ansiava pela restauração da unidade dos cristãos e orou fervorosamente por ela. Enquanto era anglicano, foi superando gradualmente seus preconceitos anti-romanos e chegou a apreciar vivamente a Igreja Católica. No entanto, ele não caiu no indiferentisimo, e, ao se converter ao catolicismo, sentiu que salvação eterna estava em jogo. Como católico, Newman não desprezou a Igreja anglicana, pois a via como uma barreira que impedia parcialmente o progresso da irreligião. Ele pensava que a superabundância da graça divina poderia atuar de algum modo fora dos limites da Igreja visível.
Muitas das obras de Newman são altamente interessantes do ponto de vista ecumênico. Newman se esforçou por reinterpretar a doutrina anglicana de um modo compatível com a fé católica; e em seu período católico escreveu vários sermões e cartas em que procurava apresentar a doutrina católica (os privilégios da Virgem Maria e sobre a infalibilidade papal, por exemplo) de um modo mais compreensível e aceitável para os anglicanos.
Um dos propósitos do Concílio Vaticano II foi promover a restauração da unidade entre todos os cristãos (cf. Unitatis Redintegratio, n. 1). A constituição Lumen Gentium ensina que os cristãos não católicos estão num estado de comunhão incompleta com a Igreja Católica (Cf. n. 15), na qual subsiste a Igreja de Cristo (Cf. n.8). A declaração Dignitatis Humanae sobre a liberdade religiosa ensina que a “única religião verdadeira subsiste na Igreja católica e apostólica” (n. 1). O exercício da religião deve ser livre, porém o homem deve buscar a verdade em matéria religiosa e, uma vez conhecida, deve aderir a ela com um assentimento pessoal. (Cf. n. 3).
A “doutrina dos ramos” foi rejeitada por Newman em sua conversão final permanece como uma tentação presente no atual movimento ecumênico. O exemplo pessoal de Newman ensina que as conversões individuais não devem ser sacrificadas como meta pastoral na busca da união das Igrejas.
c) A promoção do laicato
No século XIX, os fieis leigos eram habitualmente considerados na prática como cristãos de segunda categoria, menos perfeitos que os sacerdotes e religiosos. A espiritualidade cristã não levou suficientemente em consideração a importância das atividades mundanas (família, trabalho, estudo, etc) como meio de santificação.
Newman, com seu olhar fixo na Igreja primitiva, se afastou de uma mística elitista; compreendeu bem que os leigos também estavam chamados à santidade e que sua função na Igreja era de extrema importância. Por isso, dedicou grande parte de seu trabalho à promoção do laicato, sobretudo através do aprimoramento da formação. Na seguinte citação, Newman mostra que o apostolado dos leigos não se restringe à esfera das relações interpessoais, mas abarca também o amplo campo das relações sociais:
“Os cristãos se desviam do seu dever… não quando agem como membros de uma comunidade, mas quando o fazem para fins temporais ou de maneira ilegal; não quando adotam a atitude de um partido, mas quando se dividem em muitos. Se os crentes da Igreja primitiva não interferiam nos atos do governo civil, era simplesmente porque não tinham direitos civis que os permitiam legalmente fazer isso. Mas onde eles têm direitos, a situação é diferente, e a existência de um espírito mundano deve ser descoberta, não no sentido de que esses direitos sejam usados, mas em que eles são usados para fins diferentes daqueles para os quais foram concedidos. Sem dúvida, pode haver justas diferenças de opinião quando se julga o modo de exercê-las num caso particular, mas o próprio princípio, o dever de usar os direitos civis a serviço da religião, é evidente. E visto que existe uma ideia popular falsa, segundo a qual os cristãos, em quanto tais, e especialmente o clero, não se preocupam com assuntos temporais, é conveniente aproveitar qualquer oportunidade para refutar formalmente essa posição e reivindicar sua demonstração. Na realidade, a Igreja foi instituída com o propósito expresso de intervir ou (como diriam um homem irreligioso) intrometer-se no mundo. É um dever evidente de seus membros não só associarem-se internamente, mas também desenvolver esta união interna numa guerra externa contra o espírito do mal, seja nas cortes dos reis ou entre a multidão mista. E, se não podem fazer outra coisa, ao menos podem sofrer pela verdade, e lembrar aos homens, dando-lhes a tarefa de persegui-los.” (Os arianos do século IV).
O Concílio Vaticano II recolhendo os frutos das iniciativas anteriores, como a Ação Católica, reconheceu a grande transcendência e amplitude do apostolado dos leigos (Cf. Lumen Gentium, n. 33; Apostolicam Actusitatem, n. 1). Este ensinamento tem sido desenvolvido pelo Magistério pontifício posterior, especialmente pela exortação apostólica Chrisifideles Laici do Papa João Paulo II. No século XX, sobretudo, depois do Concílio surgiram numerosos movimentos e associações eclesiais, por obra do Espírito Santo, com um forte componente laical. Eles foram considerados pelo Papa João Paulo II como um dos sinais mais esperançosos na situação atual da Igreja.
5. Conclusões
A vida de Newman foi um sacrifício pela Verdade. Desde jovem, Newman abraçou a causa da religião revelada e se entregou a ela totalmente. A fidelidade a essa causa o levou a retirar-se da Igreja anglicana quando ela estava no cume de seu prestígio e a iniciar humildemente uma nova vida no seio da Igreja Católica. Ao longo de sua vida como crente e intelectual, Newman deu testemunho da profunda compatibilidade entre as exigências da fé e as da razão.
O pensamento de Newman antecipou muitas das principais características do Concílio Vaticano II, contribuindo para a necessária reforma da Igreja, promovida pelo Concílio. Nesta fase da história da Igreja, dominada pela implementação dos ensinamentos e diretrizes do Vaticano II, Newman pode ser um guia confiável e uma referência adequada, particularmente no grande combate da fé contra o ateísmo, o laicismo e o liberalismo.
6. Documentos do Concílio Vaticano II utilizados
• Constitução dogmática sobre a Divina
Revelação, Dei Verbum.
• Constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium.
• Constituição pastoral sobre a Iglesia no mundo acual, Gaudium et Spes.
• Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium.
• Decreto sobre a atividade missionária da Igreja, Ad Gentes.
• Decreto sobre o ecumenismo, Unitatis Redintegratio.
• Decreto sobre o apostolado dos leigos, Apostolicam Actuositatem.
• Declaração sobre a liberdade religiosa, Dignitatis Humanae.
7. Bibliografía consultada
• Concilio Vaticano II – Documentos do
Vaticano II, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1986.
• Dessain, Charles Stephen – Vida y pensamiento del cardenal Newman, Ediciones
Paulinas, Madrid, 1990.
• Juan Pablo II – Fides et Ratio. Carta Encíclica a los Obispos de la Iglesia
Católica sobre las relaciones entre la fe y la razón, Paulinas, Buenos Aires,
1998 (2ª edición).
• Kern, Walter y Niemann, Franz-Josef, El conocimiento teológico, Editorial
Herder, Barcelona, 1986.
• Newman, John Henry – Antología, Editorial Difusión, Buenos Aires, 1946.
• Newman, John Henry – Escritos autobiográficos, Taurus Ediciones, Madrid,
1962.
• Newman, John Henry – Apología “pro vita sua”. Historia de mis ideas
religiosas, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1977.
• Newman, John Henry – An Essay on the Development of
Christian Doctrine, University of Notre Dame Press, Notre Dame (Indiana), 1989.
• Newman, John Henry – Apologia pro Vita Sua, Penguin Classics, London-New
York, 1994.
•
Newman, John Henry – Persuadido por la Verdad, Ediciones Encuentro, Madrid,
1995.
• Newman, John Henry – Newman for Everyone. 101
Questions Answered Imaginatively by Newman, St Pauls – Alba House, New York,
1996.
•
Newman, John Henry – Carta al Duque de Norfolk, Editorial Rialp, Madrid, 1996.
• Newman, John Henry – Esperando a Cristo, Editorial Rialp, Madrid, 1997.
Este artigo é uma nova versão de: Daniel Iglesias Grèzes, Id por todo el mundo y proclamad el Evangelio. Exposición de algunos puntos de la doctrina católica, Montevideo 2008, Capítulo 11 – John Henry Newman, un precursor del Concilio Vaticano II, pp. 116-134.
Autor: Daniel Iglesias Grèzes
Título original: John Henry Newman, precursor do Concílio Vaticano II
Publicação original: http://apologeticacatolica.org/Documentos/Concilios/VaticanoII/Apologia03.html
Tradução: Jeferson Alves de Lima