Gabriel Coelho

Esclareço desde já que se esse texto deve ser um relato da minha conversão ao Catolicismo, nele deve ser necessariamente citado o professor Olavo de Carvalho. Não por ser um sintoma de culto de uma personalidade pública, mas simplesmente porque não me haveria a possibilidade de uma vida espiritual se antes o professor não me tivesse tirado a areia dos olhos e me acompanhado ao longo de todo esse percurso de conversão. Nem padre, nem rabino, nem pastor, nem monge foram capazes de me fazer recuperar a espiritualidade. Isto foi devido ao professor. Por isso inicio esse relato de conversão dedicando-lhe o meu mais efusivo obrigado. Serei eternamente grato ao homem que me fez recuperar o amor a Deus.

Mesmo sendo criança batizada e vivendo numa família predominantemente cristã, no prenúncio da minha adolescência – sob a estupidez e prepotência que necessariamente a acompanha – caí no ateísmo. Mas essa descrença não se deu por um impulso natural, não foi coisa tirada da minha cabeça, pois apesar da rebeldia que a adolescência traz, eu não teria sido capaz de me afundar tanto pelas minhas próprias mãos. O que houve foi o seguinte: nesse mesmo período, comecei a despertar o gosto pela leitura, mas não tendo quem me guiasse nesse amanhecer da minha vida intelectual, lia aquilo que era consagrado na mídia. Não tendo quem me mostrasse o que era importante ler, eu, perdido, acabei lendo o que não prestava.

O método como praticava essas leituras – sem nem mesmo saber que se tratava de um método, pois para mim surgia como uma propensão natural – era o de apagar da minha mente qualquer julgamento que eu já tivesse e ler como se aquelas coisas fossem verdadeiras e corretas. Deixar para depois a análise e a crítica daquilo que estava lendo e me preocupar apenas em absorver o conteúdo na sua totalidade. Muito mais tarde eu vim descobrir que essa forma de leitura tem um nome, “suspension of disbelief”.

Isso resultou num problema sério. A “suspension of disbelief” é algo que deve ser usado com muito cuidado, em obras de qualidade e numa fase mais madura da vida. Como era muito novinho ao fazer isso, sem nem imaginar que havia um termo correspondente, comecei logo com uns doidos ateus, cientificistas, descontrucionistas etc. Depois de finalizada a leitura na suspensão de julgamento, não sabia voltar para o mundo real. Ao longo dos anos, esse veneno foi contaminando meu espírito e provocando uma apatia sobre a vida, sobre as pessoas (mesmo sobre familiares), sobre a existência em geral.

Com relação aos assuntos relacionados diretamente com a espiritualidade, com ênfase no Catolicismo, fui primeiro criando uma dúvida, depois uma descrença e por fim — alimentado por um impulso de superioridade aos constatar as pessoas ao redor que, coitadinhas, ainda nutriam sentimentos espirituais –, uma chacota e blasfêmia por tudo o que era sagrado. Imagino que o passo seguinte, que necessariamente viria na próxima fase, seria algo próximo ao Satanismo. Mas antes que o percurso chegasse nesse ponto fatídico, tive contato com a obra do professor Olavo de Carvalho. Foi disso que ele me salvou.

Longe de querer desmerecer os outros, mas quando ouvia, assistia ou lia algum tipo de pregação religiosa ou mesmo um testemunho de conversão, nunca me sentia convencido por nada disso. O que encontrava era apenas um punhado de lugares-comuns: frases feitas, termos enfadonhos, passagens bíblicas usadas como argumento, tais como: “Deus é grande”, “Deus é bom”, “Deus te ama” etc. Esse foi o motivo pelo qual nenhum religioso foi capaz de me tirar do ateísmo. Esses relatos partiam da experiência individual dessas pessoas e pulavam direto para os termos prontos, citações bíblicas, aquela típica terminologia religiosa. Essa linguagem pronta não me servia de nada porque era exatamente dela que eu desacreditava. Foi só quando tive contato com a obra do professor Olavo que fui capaz de recuperar a fé e entender do que aquelas pessoas estavam falando.

O que o professor Olavo fazia de tão diferente? É simples, ele partia também dessas experiências humanas, mas as descrevia tal qual elas aconteciam. Ele não saltava direto para os lugares-comuns, mas antes, exercendo magistralmente o papel de um verdadeiro escritor, descrevia a experiência concreta que esses termos substituíam.

Foi somente recebendo a informação que descrevia a experiência humana concreta que consegui entender as proporções da estrutura da realidade, abandonar o materialismo e subir de nível para uma ordem transcendente. O professor Olavo não me converteu diretamente para a Igreja Católica, ele me fez compreender primeiramente uma estrutura de ordem acima da material e uma divindade de forma abrangente. A partir daí, foi só uma questão de dias para, subindo de nível de novo e de novo, culminar na unidade de Deus, pois “tudo o que sobe, converge”.

Lembro exatamente a frase que foi o ponto de partida de tudo isso: “Só é possível existir inteligência em você porque existe inteligência no universo”. Quando ouvi isso numa das suas gravações, o sentimento que me dominou foi duplo. Ao mesmo tempo me senti grandioso por captar o sentido dessa relação e estúpido por nunca ter percebido uma obviedade tão grande. Desse raciocínio, fazendo um paralelo com um conteúdo de matemática elementar, a Teoria dos Conjuntos, era óbvia a existência de uma inteligência universal.

Mas, orgulhoso como sou, não cedi tão fácil a Jesus Cristo. Eu havia entendido que existe uma inteligência universal, mas, calma lá!, Isso ainda não falava nada em favor do Cristianismo. Essa inteligência pode ser qualquer coisa. Então por um ou dois dias, cogitei algo como um culto à Natureza.

Entretanto, por sorte – ou, melhor dizendo, pela Providência –, ainda continuava com minhas leituras e como estava dedicado às leituras relacionadas à Filosofia, comprei um livro sobre História da Filosofia do Giovanni Reale, e vendo que havia uma parte intitulada “A Bíblia e o Mundo Grego”, impulsionado por minha recente grande descoberta do óbvio, resolvi ler logo.

Essa leitura se deu ao mesmo tempo em que um padre desconhecido, que nunca tinha visto mais careca, um tal Paulo Ricardo, havia lançado um programa tratando exatamente sobre a Bíblia. Eu estava procurando vídeos que complementassem a leitura do Giovanni Reale sobre as Escrituras e me deparei com essa aula do Pe. Paulo Ricardo. Esta foi a segunda etapa da minha conversão. Havia acabado de perceber que a narrativa relacionada à Bíblia e ao Cristianismo não era invenção conspiratória, mas eventos da realidade histórica e que estavam bem documentados. Ponto para o Deus Cristão.

Espere um pouco, vamos com calma! Eu entendi que o que diferenciava o Cristianismo das demais religiões é que, aquela inteligência universal que havia compreendido, mas não sabia a que aplicar na realidade, se tornou carne (Cf. João 1,14) e se revelou para nós, nos poupando do trabalho de vagar no vazio sem saber a quem adorar – como eu estava fazendo. Mas isso nada falava em favor do Catolicismo. Podia ser qualquer seita protestante ou espírita.

Por acaso – ou por Providência – nessa etapa da espiritualidade, estava cogitando um experimento de campo. Já havia entendido que aquela inteligência universal era o Deus Cristão, que a Segunda Pessoa da Trindade – O Logos – se encarnou e se revelou a nós. Vamos ver como são as coisas nos ambientes dedicados ao culto de Deus. Mas a qual lugar iria? Uma paróquia, um culto protestante, um centro espírita? Decidi ir a uma comunidade católica chamada Shalom por ser frequentada por uma amiga próxima. Fui num fim de semana qualquer só para conhecer o ambiente. Chegando lá, me informaram que era dia de grupo de oração e eu decidi participar como um experimento social.

Nesse momento eu imagino que tenha acontecido a seguinte situação no Céu:

Jesus Cristo, junto aos Seus Querubins, estava nos últimos preparativos para vir ter uma conversa comigo. Devia estar ao mesmo tempo dedicado e fatigado. Ele devia estar dando os últimos retoques no Seu manto sagrado e bufando: — Eu falo, falo, mas não adianta. É como falar com uma porta. Vou ter que resolver isso pessoalmente.

Ao que Nossa Senhora interpela: – Espere, meu filho. Não percebeu que não vai adianta nada se você for? Ele é cabeça dura, vai continuar em dúvida com aquela idéia de qual grupo cristão deve ser o verdadeiro. Deixa que eu vá e resolvo isso.

Essa foi a terceira e última etapa do meu processo de conversão ao catolicismo. Com uma experiência concreta envolvendo Nossa Senhora, não havia mais dúvidas de onde se encontrava a Verdade senão na Igreja Católica, tampouco havia formas de fingir que aquilo não havia acontecido. Embora o conteúdo da experiência seja pessoal, coisa que não pretendo expor senão a amigos íntimos, seu sentido se assemelha à mensagem de uma das aparições em Guadalupe: “No se turbe tu corazón. ¿Acaso non estoy aquí yo, que soy tu Madre?”. Talvez, não por acaso, quando só mais tarde vim a conhecer os eventos e as mensagens de Nossa Senhora de Guadalupe, despertei um grande apreço por essa aparição em específico.

E foi assim que aconteceu. Um fato que eu não deixo passar despercebido é que a mesma atividade intelectual que me desvirtuou do caminho para Deus, foi a que me colocou de volta. Na vida intelectual eu me perdi e depois me encontrei. Isso só foi possível por causa de um comprometimento muito específico: apesar de todos os pesares, eu estava interessado na verdade. Ou, numa linguagem mais religiosa, me deixava guiar pelo Espírito Santo mesmo sem saber. A busca dedicada pela verdade culmina necessariamente em Deus.