Dois Dedos de TULIP
(Cinco pontos do calvinismo)
Predestinação significa muitas coisas para muitas pessoas. Todas as igrejas cristãs acreditam em alguma forma de predestinação, porque a Bíblia usa o termo [1], mas o que a predestinação é e como ela funciona já é uma questão disputada.
Nos círculos protestantes há dois campos majoritários quando se trata de predestinação: calvinismo e arminianismo[2]. O calvinismo é comum em igrejas presbiterianas, reformadas e algumas igrejas batistas. O arminianismo é comum nas igrejas metodistas, pentecostais e na maioria das igrejas batistas[3].
Apesar de que os calvinistas hoje em dia são uma minoria entre os protestantes, a visão deles tem influência enorme, especialmente no nosso país (EUA). Isso se deve parcialmente ao fato de que os puritanos e batistas que ajudaram na formação dos Estados Unidos eram calvinistas, mas também deve-se ao fato de que o calvinismo vem sendo encontrado tradicionalmente entre os protestantes mais intelectuais, o que lhe confere uma influência especial.
Os calvinistas afirmam que Deus predestina as pessoas ao escolher quais indivíduos irão aceitar Sua oferta de salvação. Essas pessoas são conhecidas como “os eleitos”[4]. Eles não são salvos contra a própria vontade: isso se deve ao fato de que Deus escolheu previamente que eles desejarão vir a Ele. Os que não estão em meio aos eleitos, “os réprobos”, não desejarão vir a Deus, não o farão, e portanto não serão salvos[5].
Os arminianos afirmam que Deus predestina pessoas ao pronunciar (ao invés de decidir) quem irá aceitar a salvação. Ele faz este pronunciamento usando Sua presciência, que O habilita a ver o que as pessoas farão no futuro. Ele vê quem irá aceitar sua oferta de salvação. As pessoas que Deus sabe que irão se arrepender são aqueles que Ele trata como Seus “eleitos” ou povo “escolhido”.
O debate entre calvinistas e arminianos costuma ser bem intenso. Esses grupos frequentemente se acusam um ao outro de ensinar um evangelho falso, ao menos em um nível teórico, apesar de que há pouca diferença entre os dois na prática, já que ambos os grupos dizem que somente a fé salva[6].
O debate está centrado na tão conhecida fórmula TULIP. Cada letra desta sigla, [em inglês], é uma doutrina diferente afirmada pelos calvinistas clássicos[7] porém rejeitada pelos arminianos. Essas doutrinas são:
- Depravação Total – T
- Eleição Incondicional – U
- Expiação Limitada – L
- Graça Irresistível – I
- Perseverança dos Santos – P
É importante que os católicos conheçam esses tópicos: em primeiro lugar, nós somos frequentemente atacados por calvinistas, que não compreendem bem as posições católicas nessas questões. Segundo, há muitos católicos que também não entendem o ensino da própria Igreja sobre predestinação. E por último que, nos últimos anos, um grande número de calvinistas se tornaram católicos[8]. Ao entender de uma melhor forma o Calvinismo, nós podemos ajudar mais calvinistas a dar esse passo.
Depravação Total
Apesar do nome, a doutrina da depravação total não significa que os homens são sempre e apenas são pecadores. Os calvinistas não pensam que nós somos tão pecadores quanto possível, eles simplesmente afirmam que nosso livre arbítrio foi danificado pelo pecado ao ponto de que, a menos que Deus nos dê a graça especial, não podemos nos livrar do pecado e escolher servir a Deus em amor. Nós talvez escolhamos servi-lo por temor, mas não por amor altruísta[9].
O que um católico pensaria deste ensino? Enquanto ele não usaria o termo “depravação total” para descrever a doutrina[10], ele concordaria com o ensino. O ensino aceito como católico é que, por causa da queda de Adão, o homem não pode fazer nada por amor sobrenatural ao menos que Deus lhe dê graça especial para fazê-lo.[11]
Tomás de Aquino declarou que a graça especial é necessária para que o homem faça qualquer ato sobrenaturalmente bom, para que ame a Deus, para que cumpra os mandamentos de Deus, para que ganhe a vida eterna, para preparar-se para a salvação, para que levante-se e evite o pecado, e para perseverar[12].
Eleição Incondicional
A doutrina da eleição incondicional significa que Deus não baseia sua escolha de certos indivíduos (isto é, a eleição) em nada mais que Sua boa vontade.[13] Deus escolhe quem Ele quer agraciar e não o faz com os demais. Os que Deus escolhe vão desejar vir a Ele, vão aceitar sua oferta de Salvação, e então o farão precisamente porque Ele os escolheu.
Para mostrar que Deus escolhe, ao invés de meramente prever, aqueles que virão para Ele, calvinistas citam passagens como Romanos 9,15-18, que diz: “[O Senhor] diz a Moisés: ‘eu terei misericórdia de que eu tiver misericórdia,e terei compaixão com que eu tiver compaixão’. Então não há dependência da vontade ou empenho humano, mas da misericórdia de Deus… Então Ele tem misericórdia de quem quiser, e endurece o coração de quem quiser”.14]
O que um católico diria sobre isso? Certamente ele está livre para discordar com a interpretação calvinista, mas é também livre para concordar. Todos os tomistas e até alguns molinistas (como Roberto Belarmino e Francisco Suárez) ensinaram a eleição incondicional.
Tomás de Aquino escreveu: “Deus quer manifestar sua bondade nos homens: a respeito dos que Ele predestina, por meios de Sua misericórdia, em poupá-los; e a respeito dos demais, os quais Ele reprova, por meios de Sua justiça, em puni-los. Esta é a razão pela qual Deus elege alguns e rejeita outros… O porquê Ele escolhe alguns para a glória e reprova outros não tem razão exceto a Vontade Divina. Como fala Agostinho: ‘o porquê Ele atrai um, e outro não, não procure julgar, se não desejas errar’.” [15]
Porém, mesmo que um católico concorde com a eleição incondicional, ele não deve afirmar a “dupla predestinação”, uma doutrina que os calvinistas inferem desse ponto. Este ensino afirma que Deus também envia uns para condenação, enquanto escolhe outros para a salvação.
A alternativa para a dupla predestinação é dizer que enquanto Deus predestina algumas pessoas, Ele simplesmente não o faz com todo o resto. Eles não se voltarão para Deus por causa de seu próprio pecado, não porque Deus os condena. Essa é a doutrina da reprovação passiva, ensinada por Aquino.[16]
O Concílio de Trento afirma: “se alguém afirma que não está no poder do homem o fazer de seus caminhos maus, mas que Deus produz o mal assim como as boas obras, não apenas por permissão, mas também propriamente e de Si mesmo, de modo de que a traição de Judas não menos trabalho Seu do que a vocação de Paulo, que seja anátema… Se alguém afirma que a graça da justificação é obtida apenas por aqueles que são predestinados para a vida, porém todos os outros, que são chamados, são também chamados, mas não recebem graça, como se eles são predestinados ao mal pelo poder divino, que seja anátema”. [17]
Expiação Limitada
Os calvinistas acreditam que a expiação é limitada, que Cristo ofereceu-se por alguns homens e não por todos. Eles afirmam que Cristo morreu apenas pelos eleitos. Para provar isso, eles citam versos que dizem que Cristo morreu por Suas ovelhas (Jo 10,11), por seus amigos (Jo 15,13-14a), e pela Igreja (At 20,20, Ef. 5,25).[18]
Não se pode utilizar estes versos para provar que Cristo morreu apenas pelos eleitos. Uma pessoa pode dizer que se deu por uma pessoa ou grupo sem negar que se deu também por outros. [19]
Uma prova bíblica deste princípio é encontrada em Gálatas 2,20, onde Paulo diz que Cristo “amou-me e entregou-se por mim”, sem insinuar que Cristo não se entregou por outras pessoas. Dizer que Cristo se entregou em uma maneira especial por Suas ovelhas, Seus amigos, ou pela Igreja não pode ser usado para dizer que Cristo não se entregou por todos os homens em um modo diferente.
A Bíblia sustenta que, de certo modo, Cristo morreu por todos os homens. Jo 4,42 descreve Cristo como “o Salvador do mundo”, e 1Jo 2,2 afirma que Cristo “é a propiciação dos nossos pecados, e não só dos nossos pecados, mas também do mundo inteiro”. 1 Timóteo 4,10 descreve Deus como “o Salvador de todos os homens, especialmente dos que acreditam”. Em conformidade com o ensino oficial da Igreja[20], essas passagens requerem do católico a afirmação de que Cristo morreu para expiar todos os homens.
Aquino afirmou: “a paixão de Cristo não foi apenas uma expiação suficiente mas [também] superabundante para os pecados da raça humana. De acordo com 1Jo 2,2: ‘Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não apenas pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro’.”[21]
Porém isso não quer dizer que não se deve atribuir limites à expiação. Enquanto a graça providenciada é suficiente para pagar pelos pecados de todos os homens, esta graça não é sempre feita eficaz (posta em efeito). Talvez se diga que apesar de que a suficiência da expiação não é limitada, sua eficiência é limitada. Isto é algo que cada um que acredita no inferno deve reconhecer, já que se a expiação fosse feita eficaz para todos, então ninguém estaria no inferno.
A diferença entre a suficiência e a eficácia da expiação encontra-se na afirmação de Paulo: Deus é “o Salvador de todos os homens, especialmente daqueles que acreditam”.[22] Deus é o Salvador de todos os homens porque Ele arranjou um sacrifício suficiente para todos os homens. Ele é o Salvador daqueles que acreditam em um sentido especial e superior porque estes possuem o sacrifício feito eficaz para eles. De acordo com Aquino: “[Cristo] é a propiciação dos nossos pecados, eficazmente para alguns, mas suficiente para todos, porque o preço do Seu sangue é suficiente para a salvação de todos; mas ele tem efeito apenas nos eleitos.”[23]
Um católico também pode dizer que, ao ir à Cruz, Cristo pretendia fazer a salvação possível para todos os homens, mas Ele não pretendia fazer a salvação efetiva para todos os homens – nesse caso, teríamos que dizer que Cristo foi à cruz pretendendo que todos os homens fossem ao Céu. Claramente este não é o caso. [24] Portanto, o católico afirma que a expiação é limitada em eficácia, se não em suficiência, pois Deus quis assim. [25] O católico não pode dizer que a expiação foi limitada, ou seja, feita apenas pelos eleitos, mas ele pode dizer que a expiação foi limitada no sentido de que Deus apenas quis que ela fosse eficaz nos eleitos, apesar de que Ele quis que ela fosse suficiente para todos. [26]
Graça Irresistível
OS alvinistas ensinam que, quando Deus dá a graça para uma pessoa e habilita-a para vir à salvação, essa sempre irá atendê-l’O e nunca rejeitar Sua graça. Por esta razão muitos chamaram essa doutrina de graça irresistível.
Esse nome tem um inconveniente: parece até que Deus força as pessoas contra sua própria vontade a virem para Ele (como um policial gritando: “não adianta resistir! Jogue as armas e se renda!”) Esse nome também não parece bíblico, já que a Escritura indica que a graça pode ser resistida. Em At 7:51 Estevão diz ao Sinédrio: “vocês sempre resistem ao Espírito Santo!” [27]
Por esta razão muitos Calvinistas não se agradam da expressão “graça irresistível”. Alguns vêm propondo alternativas. Loraine Boettner, talvez conhecido melhor pelos leitores da [revista] This Rock como o autor do [livro] Roman Catholicism, prefere “graça eficaz”.[28]
Essa é a principal discordância entre tomistas e molinistas[29]: os tomistas afirmam que essa graça habilitante é intrinsecamente eficaz: por sua própria natureza, pelo tipo de graça que é, sempre produz o efeito de salvação.
Já os molinistas afirmam que a graça capacitante de Deus é apenas suficiente e é feita eficaz pela livre escolha do homem ao invés da natureza da própria natureza. Por esta razão os molinistas dizem que a graça capacitante é extrinsecamente eficaz ao invés de intrinsecamente eficaz.[30]
Um católico pode concordar com a ideia de que a graça é intrinsecamente eficaz e, consequentemente, que todos aqueles que recebem esta graça se arrependerão e virão a Deus. Aquino ensina que: “a intenção de Deus não pode falhar […]. Portanto, se Deus quer, enquanto o move, que aquele cujo coração Ele move alcançará a graça, Ele vai infalivelmente alcançá-la, de acordo com Jo 6,45: ‘qualquer um que ouve e aprende do Pai vem até mim’.[31]
O católico deve afirmar que, enquanto Deus dá graça eficaz para alguns, Ele dá graça suficiente para todos. Isto é pressuposto pelo fato de que Ele pretendia que a expiação fosse suficiente para todos. O Vaticano II afirma: “como Cristo morreu por todos os homens, e como o chamado final do homem é de fato um e divino, nós precisamos acreditar que o Espírito Santo em uma maneira conhecida apenas por Deus oferece a todo homem a possibilidade de ser associado com este mistério pascal”.[32]
Perseverança dos Santos
Os calvinistas ensinam que se uma pessoa entra em um estado de graça, ela nunca deixará esse estado, mas irá perseverar até o fim da vida. Esta doutrina é normalmente chamada de perseverança dos santos. [33] Todos aqueles que são em qualquer momento santos (em um estado de graça santificante – em termos católicos) vão permanecer assim para sempre. Não importa quais julgamentos eles enfrentarão, eles sempre irão perseverar, então sua salvação está eternamente segura. [34]
Para dar suporte a este ensino, são usadas analogias. Os calvinistas apontam que quando nos tornamos cristãos nós nos tornamos filhos de Deus, inferindo que, assim como a posição de um filho na família é assegurada, nossa posição na família de Deus está assegurada. Um pai não expulsaria seu filho de casa, então Deus não vai nos expulsar.
Este raciocínio é errado – essa analogia não prova o que está proposto. Os filhos não têm “segurança eterna” nas suas famílias. Primeiro, eles podem ser deserdados. Segundo, até se um pai não expulsaria seu filho de casa, um filho pode deixar a casa por si próprio, deserdar seus parentes, e cortar todos os laços com a família. Terceiro, os filhos podem morrer; nós, como filhos de Deus, podemos morrer espiritualmente após “nascermos de novo”. [35]
Os calvinistas também usam passagens da Bíblia para ensinar a perseverança dos santos. Os carros-chefes são Jo 6,37-39, 10:27-29, e Rm 8,35-39. A interpretação calvinista dessas passagens as tira de contexto [36], e há vários outros problemas exegéticos com a interpretação deles. [37]
Os calvinistas atrelam a perseverança dos santos à ideia de predestinação. Se alguém é predestinado a ser salvo, não significa que ele deve perseverar até o fim? Isto envolve uma confusão sobre para quê as pessoas estão predestinadas: para a salvação inicial ou para a salvação final? – as duas coisas não são iguais. Uma pessoa pode ser predestinada para uma, mas isto não significa que ela está predestinada necessariamente para a outra [38]. É preciso definir qual tipo de predestinação está sendo discutida.
Se estamos falando sobre a predestinação para a salvação inicial, então o fato de que a pessoa virá para Deus não significa por si só que ele permanecerá com Deus. Se estamos discutindo sobre predestinação à salvação final, então uma pessoa predestinada permanecerá com Deus, mas isso não significa que os predestinados são os únicos a experimentar a salvação inicial.
Alguns virão a Deus de coração sincero(porque estes foram predestinados à salvação inicial) e então, de coração sincero, O deixarão (porque não foram predestinados à salvação final).[39] De qualquer modo, a predestinação à salvação inicial não está atrelada à predestinação à salvação final. [40] Não há razão alguma para dizer que alguém não pode ser predestinado à crer por certo tempo e depois “cair no tempo da tentação”. (Lucas 8,13). [41]
Um católico deve afirmar que há pessoas que tem uma experiência com a salvação inicial e que não vão para a salvação final, mas ele é livre para sustentar uma forma de perseverança dos santos. A questão é como se define o termo “santos” – no modo calvinista, define-se como todos aqueles que uma vez entraram em um estado de graça santificante; ou em modo mais católico, como todos aqueles que irão ter sua santificação completa. [42] Se definirmos “santo” no segundo sentido, um católico deve acreditar na perseverança dos santos, já que uma pessoa predestinada à salvação final deve por definição perseverar até o fim. Os católicos até têm um nome específico para a graça que Deus dá para essas pessoas: “o dom da perseverança final”.
A Igreja ensina formalmente que há um dom da perseverança final.[43] Aquino (e até Molina) disse que esta graça sempre assegura que uma pessoa sempre irá perseverar.[44] Aquino disse: “a predestinação [à salvação final] certa e infalivelmente faz efeito”[45], mas nem todos os que vêm a Deus recebem essa graça.
Aquino disse que o dom da perseverança final é “a permanência no bem para o fim da vida. Para ter esta perseverança o homem […] necessita ser guiado pela assistência divina para guardá-lo contra os ataques das paixões […] após a justificação pela graça de qualquer um, ele ainda precisa suplicar a Deus pelo supracitado dom da perseverança, o qual irá guardá-lo do mal até o fim da vida. Pois a graça é dada à muitos que não recebem a perseverança na graça”.[46]
A ideia de que uma pessoa pode ser predestinada a vir para Deus e não ser predestinada a manter o curso talvez seja nova para calvinistas e talvez soe estranha para eles, mas não soava estranha para Agostinho, Aquino ou até Lutero. Calvinistas frequentemente citam esses homens como os “calvinistas antes de Calvino”. Enquanto eles mantinham alto apreço pela predestinação, eles não inferem que todos que uma vez são salvos estão predestinados para permanecer na graça como Calvino. [47] Ao invés disso, sua fé era informada pelo ensino bíblico de que alguns que entram na esfera da graça a deixam.
Se “santo” é definido como aquele que terá sua “santificação” completada, um Católico pode dizer que acredita em uma “perseverança dos santos” (todas e apenas as pessoas predestinadas a serem santas irão perseverar). Mas por causa das associações históricas da frase é recomendável que se faça alguma mudança para evitar confusão entre o entendimento tomista e o entendimento calvinista da perseverança. Como na teologia católica os que irão perseverar são chamados “os predestinados” ou “os eleitos,” pode-se trocar a “perseverança dos santos” com “perseverança dos predestinados” ou, melhor, com “perseverança dos eleitos”.
Tendo isso em vista, nós propomos uma versão Tomista da TULIP:
T=total inabilidade (de agradar a Deus sem a graça especial);
U=eleição incondicional;
L=intento limitado (para a eficácia da expiação);
I=graça intrinsecamente eficaz (para a salvação);
P=perseverança dos eleitos (até o fim da vida).
Há outras maneiras de construir uma versão tomista da TULIP, é claro, mas o fato é que há até uma maneira demonstra que um calvinista não teria que repudiar sua compreensão da predestinação e da graça para se tornar católico. Ele simplesmente teria que fazer maior justiça ao ensino da Escritura e refinar seu entendimento da perseverança. [48]
Notas:
1. Veja Rm 8,29-30, Ef 1,5.11. Para o ensino da Igreja Católica sobre predestinação veja Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma, págs. 242-244, e William G. Most, Catholic Apologetics Today, págs. 114-122.
2. Os calvinistas são os seguidores de João Calvino (1509-1564). Os arminianos são os seguidos de Jacó Armínio (1560-1609), não o povo de uma República da Armínia.
3. Nos círculos católicos, os dois grandes grupos que discutem a predestinação são os tomistas e os molinistas, os seguidores de Tomás de Aquino (1225-1274) e Luís de Molina (1536-1600), respectivamente. Os tomistas enfatizam o papel da graça, enquanto os molinistas enfatizam o livre arbítrio. Nenhuma das duas escolas ignora a graça ou o livre arbítrio.
4. Do termo grego eklektos, que significa “escolhido”.
5. Os calvinistas são algumas vezes criticados erroneamente como se ensinassem que uma pessoa não precisa se preocupar com sua salvação, já que ele é um eleito ou um reprovado. Para o calvinista, seria errado dizer: “bem, se Deus me escolheu, eu serei salvo, e se Ele não o fez, eu não serei, então eu posso ficar aqui e não fazer nada”. Quem diz isso até sua morte mostraria que ele não era um dos eleitos porque ele nunca fez as coisas necessárias para a salvação, como se arrepender e confiar em Deus.
6. Entre os católicos a discussão é muito mais pacífica. Desde a controversa sobre a graça no fim dos anos 1500 e no início dos anos 1600, tomistas e molinistas foram proibidos de se acusarem de heresia. Em 1748 a Igreja declarou o tomismo, o molinismo, e uma terceira visão conhecida como agostinianismo como ensinos católicos aceitáveis.
7. Há alguns calvinistas, conhecidos como amiraldianos ou calvinistas de quatro pontos, que afirmam todos os pontos da TULIP exceto o L.
8. Incluindo Scott Hahn, Gerry Matatics, Steve Wood, eu, e muitos outros, [inclusive o tradutor].
9. Não há nada de errado em servir a Deus por temor. A Bíblia frequentemente usa o temor do castigo divino como um motivador. O amor e um certo tipo de temor não excluem um ao outro; uma criança deve amar seus pais e ter um temor saudável por seus pais. Mas servir apenas por temer, privilegiando seus interesses, não agrada a Deus em um modo sobrenatural e não conquista uma recompensa sobrenatural. O amor é necessário para agradar a Deus e receber recompensas.
10. Este termo é ruim e pode ser confuso, e até alguns calvinistas percebem isso. Por exemplo, o teólogo calvinista R. C. Sproul propõe o termo alternativo corrupção radical, apesar de que esse não é tão melhor assim. O autor Lorraine Boettner usa um termo muito melhor: inabilidade total.
11. Em Fundamentals of Catholic Dogma, Lugwid Ott apresenta como um artigo de fé definido a seguinte [afirmação]: “para cada boa obra, a graça sobrenatural interna de Deus (gratia elevans) é absolutamente necessária” (OTT, pág. 229). Ele também cita o segundo Concílio de Orange, o qual afirma que “enquanto fizermos o bem Deus opera em nós e em nós, para que nós operemos” (cânon 9) e que “o homem não faz o bem exceto o que vem de Deus” (cânon 20) O Concílio de Trento solenemente condenou a proposição de que “sem a inspiração preveniente do Espírito Santo e sem a Sua ajuda, o homem pode acreditar, ter esperança, amar, ou se arrepender como ele deseja, para que a graça da justificação seja derramada sobre ele” (Decreto sobre a Justificação, cânon 3). A Igreja ensina que a graça de Deus é necessária para habilitar o homem de se levantar do pecado, dispor virtudes sobrenaturais genuínas, e agradar a Deus.
12. Summa Theologicæ (a partir de agora, ST) I-II:109:2-10.
13. Lembrando que os arminianos dizem que Deus baseia a eleição no Seu conhecimento do que os indivíduos farão no futuro.
14. Os católicos entendem este endurecimento com base em Rm 1,20-32, onde Paulo repetidamente afirma que Deus entrega os pagãos aos seus desejos pecaminosos após eles se recusarem a reconhecê-Lo. Veja também Tg 1,13.
15. ST I:23:5, citando Agostinho, Homilias sobre o Evangelho de João 26,2.
16. ST 1:23:3.
17. Decretos sobre a Justificação, cânones 6 e 17. Os mesmos pontos foram ensinados pelo Segundo Concílio de Orange(531), o Concílio de Quierzy (853), e o terceiro Concílios de Valência (855), apesar de que nenhum destes concílios foram concílios ecumênicos.
18. Os calvinistas veem estes grupos como idênticos aos eleitos. Essa suposição é falsa. Nem todos os que são em algum tempo ovelhas de Cristo ou amigos de Cristo permanecem como tais (veja abaixo sobre a perseverança dos santos). De modo similar, nem todos que estão na Igreja estão entre os eleitos.
19. Suponha que um pai sacrifique seu filho para salvar um grupo de pessoas que inclui sua família mais dois amigos. Ele talvez tenha dito que se entregou por sua família, apesar de que o group que ele salvou também incluía outras pessoas.
20. Veja Ott, pág.188s.
21. ST III:48:2.
22. I Timóteo 4,10.
23. Comentário sobre Tito, I, 2:6.
24. Mt 18,7-9; 22,13; 24,40s.51; 25,30; Mc 9,48; Lc 3,17; 16,19-31; e principalmente Mt 7:13s, 26,24; Lc 13,23ss.; e At 1,25.
25. Apesar de que se deve ter certeza para manter [a afirmação] que Deus deseja a salvação de todos os homens, como a Igreja Católica ensina. I Timóteo 2,4 afirma que Deus ‘deseja que todos os homens sejam salvos e venham ao conhecimento da verdade”. Veja também Ez 33,11. Isso não conflitua com o intento de Deus de salvar apenas alguns, já que uma pessoa talvez deseje uma coisa mas visar outra. Um pai talvez não deseje punir seu filho, mas não obstante talvez ele vise fazê-lo.
26. Alguns Calvinistas são insatisfeitos com a afirmação de que a expiação é limitada. Eles preferem dizer que Cristo fez uma redenção particular particular do que uma expiação limitada. Estes dois significam a mesma coisa, mas o primeiro destrói o acróstico TULIP, então o segundo geralmente é usado.
27. Veja também Eclo 15,11-20; Mt 23,37.
28. Loraine Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination (Grand Rapids: Eerdmans, 1932), cap. 8, “Efficacious Grace”.
29. Alguns molinistas, como Belarmino e Suarez, quase foram tomistas. Eles concordam com quase tudo que o tomismo afirma, como a sua afirmação da eleição incondicional, mas eles resistiram à ideia de que a graça é intrinsecamente eficaz.
30. É bom ressaltar que os tomistas acreditam em livre arbítrio, mas não como os molinistas acreditam. Eles afirmar que a graça de Deus estabelece o que será livremente escolhido, mas em uma maneira que não perturba a liberdade do arbítrio. Aquino disse: “Deus muda o arbítrio sem forçá-lo. Mas Ele pode mudar o arbítrio do fato de que Ele opera no arbítrio como ele faz na natureza”. (De Veritatis 22,9.)
31. ST I-II:112:3.
32. Gaudium et Spes 22; “ser associado com este mistério pascal” significa ser salvo.
33. Muitos calvinistas preferem a frase preservação dos santos, pois esta coloca ênfase na preservação Divina dos santos ao invés dos esforços dos santos em perseverar (o que é contraposto para esmagar o conceito de “salvação-obras”). Isso frequentemente resulta em uma atitude “mais-santo-que-tu”: “veja como eu sou santo; eu coloco ênfase na ação de Deus, não na ação do homem”. Mas a Escritura normalmente usa um ponto de vista humano. Ela chama o homem a se arrepender, ter fé, converter-se e perseverar. Quando alguém insiste na linguagem da preservação sobre a linguagem da perseverança, na verdade se fala de uma atitude mais-santo-que-tu pois os escritores das Escrituras usaram a linguagem da perseverança mais do que a linguagem da preservação. De fato, alguém está interpretando uma obra espiritual espiritual com as Escrituras e com quem escreveu as Escrituras.
34. Isso difere da doutrina de uma vez salvo, salvo para sempre ensinada, comumente em círculos batistas. De acordo com esta teoria, uma pessoa nunca pode perder sua salvação, não importa o que ela faça. Mesmo se ela deixar a fé e renunciar Cristo ele será salvo. A perseverança dos santos afirma que, enquanto uma pessoa perderá sua salvação se ele falhar em perseverar em fé e santidade, todos os que vêm a Deus irão perseverar. Se uma pessoa não persevera, isso mostra que ele não veio para Deus em primeiro lugar. Passagens como 1Co 6,9-10 e Gl 5,19-21, que dizem que uma pessoa não herdará o Reino se ele comete certos pecados, são entendidas assim: se alguém habitualmente comete esses pecados, ele nunca foi um verdadeiro cristão, não importa o quão sincero ele aparentava ser. Tanto “uma vez salvo, salvo para sempre” quanto a perseverança dos santos ensina uma “segurança eterna”, porém elas não são a mesma coisa. O calvinismo admite que há pecados mortais, como a falha em perseverar, mas afirma que ninguém que é salvo comete esses pecados. Dizer que “uma vez salvo, salvo para sempre” afirma que nenhum pecado seriam mortais para um Cristão, mesmo em princípio.
35. Elementos destas respostas são abordados juntos em Lucas 15, onde o filho pródigo começa como um filho, e então deixa a família e é citado pelo pai como “morto”, apenas para retornar para a família e ser citado como “agora vivo”. (Lc 15:24, 32) Cristo ensina que podemos ser filhos, morrer espiritualmente ao romper nossos laços com a família, e então voltar e estar vivo de novo – espiritualmente ressuscitados.
36. Jo 6,37-38 e 10,27-29 estão fora de contexto com Jo 15,1-6, que afirma que os cristãos são ramos na vinha que é Cristo (v. 5), onde Deus cortados cada vinha de Cristo que não dá frutos (v. 2), e que o destino destes ramos é ser queimado (v. 6). Rm 8,5-39 está fora de contexto com Rm 11,20-24, onde Paulo compara o Israel espiritual com uma árvore de oliva e afirma que assim como certos ramos do Israel espiritual foram cortados por causa de não crer em Cristo (v. 20), os Cristãos não serão poupados se caírem em descrença (v. 21), mas serão cortados (v. 22). Os ramos que foram cortados podem ser enxertados novamente (vv. 23-24). Rm 8,35-39 também está fora de contexto com Rm 8,12s.17 e 14,15.20.
37. Para discussão posterior veja Robert Shank, Life in the Son (Minneapolis: Bethany House, 1989) e Dale Moody, The Word of Truth (Grand Rapids: Eerdmans, 1981), 348ff. Ambos são autores batistas que acreditam em segurança condicional, não em segurança eterna.
38. Por exemplo, se uma pessoa estivesse predestinada em entrar na minha sala de estar, isso não significa que ela estava predestinada a permanecer para sempre em minha sala de estar.
39. A teologia Católica definiu o termo “predestinado” como “predestinado para a salvação final”. Portanto aqueles que irão ao céu com Deus são citados como “os predestinados” ou “os eleitos”. O fato de que uma pessoa teve uma experiência com a salvação em algum ponto não significa que ela está entre os predestinados (aqueles que Deus escolheu para perseverarem até o fim).
40. Uma vez resolvida a questão filosófica, nós podemos avaliar o ensino da Escritura objetivamente. Quando o fazemos, é claro que há várias indicações na Bíblia de que uma pessoa pode perder a salvação. Nós já mencionamos Jo 15,1-6, Romanos 8,12s.17; 11,20-2; e 14,15-20 Há várias outras – Robert Shank apresenta uma lista de oitenta e cinco passagens que ele acredita que, se interpretadas cuidadosamente em contexto, mostram que perda de salvação é possível; veja Shank, págs. 333-337.
41. Eu reconheci esse fato mesmo quando era um protestante fervoroso.
42. Santificação e ser feito santo são a mesma palavra no grego. Quando alguém é completamente santificado – isto é, feito santo, se torna um santo no pleno sentido da palavra. Como isso apenas acontece no céu, isso corresponde ao uso comum do uso católico do termo “santo”.
43. Decreto da Justificação de Trento, canôn 16, cita “aquele dom grandioso e especial da perseverança final”, e o capítulo 13 do decreto cita “que o dom da perseverança do qual é dito: ‘aquele que persevera até o fim será salvo [Mt 10,22; 24,13],’ o qual não pode ser obtido de ninguém exceto do que é capaz de fazê-lo ficar de pé [Rm 14,4]”.
44. Aquino diz que essa sempre salva uma pessoa por ser o tipo de graça que é; Molina diz que essa sempre salva uma pessoa porque Deus apenas dá esta para aqueles que ele sabe que irão responder à ela. Mas o efeito é o mesmo: o dom da perseverança final sempre funciona.
45. ST I:23:6.
46. ST I-II:109:10.
47. O fato de que os calvinistas não estão cientes disso mostra uma falta de conhecimento. O teólogo presbiteriano R. C. Sproul tenta redefinir o calvinismo como a visão agostiniana. Pode se dizer que a visão de Calvino é uma variação da visão de Agostinho, mas elas não são iguais. Agostinho não acreditava no entendimento de Calvino sobre a perseverança dos santos, e muito menos acreditava [os autores d]a ampla tradição agostiniana – isso foi uma inovação de Calvino. Para uma discussão histórica precisa da perseverança dos santos, veja J. J. Davis em seu artigo “Perseverance of the Saints: A History of the Doctrine”, no Journal of the Evangelical Theological Society, 34/2 (Junho de 1991), 213-228. O próprio Davis é um calvinista, e é conveniente que um calvinista ajude a corrigir os erros dos outros calvinistas na história da sua doutrina.
48. Isto tem aplicações importantes para calvinistas que estão pensando em juntar-se à Igreja, e tem implicações para católicos que querem saber o que a Igreja requer acreditar e como eles devem defender a Igreja contra calvinistas anticatólicos. Para um exemplo de como o tomismo pode ser usado para refutar os ataques Calvinistas sobre a Missa, purgatório, e indulgências, veja meu artigo Fatally Flawed Thinking (This Rock, jul. 1993). Este artigo critica o livro The Fatal Flaw, de James White, um calvinista e um anticatólico profissional. Para leitura posterior no ensino católico nesta área, veja Predestination por Reginald Garrigou-Lagrange (St. Louis: Herder, 1939). O Papa João Paulo II escreveu sua dissertação baseado em Garrigou-Lagrange.
Autor: Jimmy Akin, todos os direitos reservados.
Título original: A Tiptoe Through TULIP
Publicado originalmente na revista This Rock (atual Catholic Answers), edição de setembro de 1993.
Tradução: Symon Bezerra
