1801 – 1816 | “Meu Criador e eu”.

John Henry Newman nasceu em 21 de Fevereiro de 1801, em Londres. Ele era o mais velho de seis filhos e era filho de John e Jemima Newman. Seu pai era um banqueiro na cidade, e por isso Newman teve uma criação de classe média em Southampton Street, em Bloomsbury. Os membros de sua família eram praticantes da Igreja Anglicana e portanto, Newman foi exposto à Bíblia muito novo, tornando-se um leitor ávido dela. Aos 7 anos, Newman foi estudar na Great Ealing School.

Quando Newman tinha apenas quinze anos, ele teve uma experiência religiosa tão forte que mudaria sua vida para sempre. Mais tarde, ao escrever sobre este acontecimento, ele o descreve do seguinte modo:

Quando eu tinha quinze anos, uma grande mudança ocorreu em mim. Eu fui influenciado por um Credo definitivo … eu acreditei que a conversão interior da qual eu estava consciente … iria durar até a próxima vida, e que eu fui eleito à glória eterna. … Eu acredito que isso teve uma certa influência nas minhas opiniões … ao me isolar dos objetos que me rodeavam, ao confirmar em minha desconfiança da realidade dos fenômenos materiais, e descansando ao pensar em duas e apenas duas coisas absoluta e luminosamente auto-evidentes: meu criador e eu”. (Apologia Pro Vita Sua)

A isso, ele se referia como a sua primeira conversão.

Na época dessa experiência de conversão (1816), Newman teve contato com o evangelicalismo que estava ganhando espaço com o ensinamento de figuras como John Wesley, que deram origem ao que agora é chamado de avivamento wesleyano, apesar de que Wesley havia sido rejeitado pela Igreja dominante. No seu último ano na escola, Newman se converteu ao evangelicalismo.

1817 – 1832 | “Eu sou responsável pelas almas.”

Aos dezesseis anos, Newman se tornou universitário no Trinity College, Oxford. Depois dos seus estudos universitários ele foi chamado para uma fraternidade no Oriel College, que então era o colégio principal da universidade, em 1822.

As universidades de Oxford e Cambridge naquele tempo eram parte do corpo institucional anglicano, e portanto elas ofereciam formação para clérigos anglicanos. Desejando ser um “ministro de Cristo” e até mesmo desejando tomar um voto de celibato, algo que não era comum naquele tempo, Newman almejou a ordenação anglicana como um modo de dedicar sua vida inteira a Deus. No dia seguinte à sua ordenação diaconal, em 1824, ele escreveu: “eu sou responsável pelas almas até o dia que eu morrer”. (Escritos Autobiográficos, pág. 201)

Em 29 de maio de 1825, ele foi ordenado sacerdote na Igreja Catedral de Cristo pelo bispo de Oxford e se tornou vigário da Igreja de São Clemente, em Oxford. Ali, durante seu vicariato, Newman se tornou conhecido por visitar todos os seus paroquianos, especialmente os doentes e os pobres.

Em 1826, Newman se tornou um tutor no Oriel College, onde ele começou a tutoriar e palestrar para estudantes. Ele levou sua função extremamente a sério, sentindo que ele tinha um dever religioso para guiar os jovens estudantes que estavam sob sua responsabilidade, para trazê-los ao zelo pela fé que ele havia descoberto.  No entanto, isso levou a liderança do colégio a acusá-lo de favoritismo, e portanto eles se negaram a enviar alunos para Newman a partir de 1830.

Isso lhe deu tempo adicional para estudar e nesse tempo ele descobriu os Pais da Igreja, os doutores do cristianismo primitivo. Ao estudá-los, a natureza católica – isto é, universal – da fé, e a linha da sucessão apostólica que sempre preservou e transmitiu esta fé ao longo da história se tornaram claras para ele. Ele descreveu sua leitura dos Pais da Igreja deste modo: “algumas porções do ensino deles, magnificentes por si só, vieram como música aos meus ouvidos, como se respondessem a ideias, que, mesmo sem apoio externo, eu apreciei por tanto tempo”.

Foi por volta deste período que Newman estava pregando na Igreja de Santa Maria Virgem, a igreja oficial da Universidade de Oxford, no centro da cidade. Com o seu método de pregar e suas mensagens, Newman cativava congregações. Uma fonte primária relata: “ele aponta, de um modo gentil mas ainda assim com muita propriedade, algum lugar dentro do coração do ouvinte, e lhe diz coisas sobre ele mesmo que ele nunca tinha tomado conhecimento até então”. Ele pregava com um grande entendimento da condição humana e também com grande conhecimento da Escritura. Pessoas começaram a vir de longe para ouvi-lo e ele rapidamente se tornou o pregador mais influente do país. A partir daí, surgiria um movimento.

1833 – 1841 | “Eu tenho um trabalho a desempenhar na Inglaterra”.

Em 1833, durante uma viagem à Sicília, Newman ficou gravemente doente, provavelmente de uma febre tifóide, e ficou à beira da morte por dez dias. No seu delírio, ele repetia frases para os que cuidavam dele, das quais uma era: “eu tenho um trabalho a realizar na Inglaterra”. Quando ele se recuperou, ele considerou isso como outro grandioso episódio de conversão, que o levou a se render ainda mais a Deus. Isso despertou ainda mais profundamente o seu desejo de trazer uma renovação à Igreja que ele amava.

Ao retornar, Newman se uniu com seus amigos que desejavam igualmente trazer esta renovação – estes eram John Keble e Edward Pusey, entre outros. Eles ficaram aflitos com o estado da Igreja Anglicana naquele tempo, acreditando que ela se preocupava em manter boas relações institucionais do que ser verdadeira às suas origens; e que ela tinha sido deformada por sua história política.  Newman, escrevendo sobre isso, disse: “esta notável Igreja sempre foi puramente dependente do poder civil e sempre se gloriou dessa dependência. Seria de fato uma segunda Reforma – uma Reforma melhor”.

Para dar à luz essa “Reforma”, Newman e vários apoiadores embarcaram no que se tornaria conhecido como o “Movimento de Oxford”, disseminando suas visões através de um meio comum: panfletos. Intitulados ‘Tratados para os Tempos’, eles desafiavam o status quo da instituição cristã na Inglaterra. O primeiro tratado publicado começa com a alarmante pergunta: “se o governo e o país até agora esquecerem o seu Deus a ponto de rejeitarem a Igreja, privarem-na de suas honras temporais e substância, qual será a prova do suposto respeito e atenção para com os rebanhos?” – feitos para provocar e educar, os tratados foram publicados como o trabalho de um “Presbítero” sem nome, apesar de que Newman foi o autor de um terço deles. Entre 1833 e 1841, noventa panfletos foram publicados e sua frequência rendeu ao movimento o nome secundário de ‘O Movimento dos Tratários’.

No entanto, o melhor método para que Newman alcançasse as pessoas ainda eram os seus sermões e palestras públicas. O movimento começou a excitar cristãos ao redor do país e alguns estudantes na universidade adotaram o lema “Credo in Newmanum” – “eu creio em Newman”.

À medida que ele continuou a estudar e ensinar história cristã, e especialmente sobre a sucessão apostólica, Newman começou a reconsiderar sua própria hostilidade com o Catolicismo. Os católicos haviam sido injuriados e perseguidos na Inglaterra durante séculos após a Reforma, mas os tempos estavam mudando, principalmente com a aprovação do Ato de Ajuda Católica em 1829, que reprimiu uma potencial revolução irlandesa. Não obstante, Newman acreditava firmemente que a Igreja Católica era deficiente em santidade, escrevendo que “Roma deve mudar, antes de tudo, seu espírito, … se eles [católicos] querem converter a Inglaterra, vão descalços para os distritos industriais, e preguem para o povo, como São Francisco Xavier – que eles sejam pisados – e eu mesmo vou confessar que eles podem fazer o que nós não podemos; eu vou confessar que eles são melhores que nós.

No tratado 90, publicado em 1841, Newman argumentou que as doutrinas que definiam a Igreja Anglicana eram, na verdade, fundamentalmente mais católicas do que protestantes. Muitos na universidade acharam foi longe demais dessa vez; professores mais antigos e chefes de departamento ficaram furiosos, afirmando que a mensagem “de certo modo sugere e abre caminho para que as pessoas possam violar suas ligações solenes com a universidade”. Isso fez com o que o bispo de Oxford pedisse que os tratados deixassem de ser publicados. Isso levou Newman a deixar Oxford, para continuar sua busca pela forma mais verdadeira da fé cristã e para começar o próximo capítulo da sua jornada.

1842 – 1845 | “Viver é mudar, e ser perfeito é mudar frequentemente”.

Com uma dificuldade cada vez maior com a questão da sucessão apostólica e suas atitudes mudadas em relação ao catolicismo, Newman se mudou para Littlemore, uma vila que ficava a cinco quilômetros de Oxford, para viver uma vida quase monástica junto com amigos. Aqui, ele continuou a se devotar cada vez mais ao estudo, ao jejum e à oração. Em 1843, ele já tinha se demitido da Igreja de Santa Maria por completo.

Enquanto estava em Littlemore, Newman se convenceu cada vez mais que a Igreja de Roma, a Igreja Católica, era a igreja mais próxima ao espírito do cristianismo primitivo. Ele escreveu: “no geral, todas as partes vão concordar que, de todos os sistemas existentes, a comunhão presente com Roma é de fato a aproximação mais exata à Igreja dos Pais… E, portanto, é a aproximação mais exata, para dizer o mínimo, do sentimento religioso… da Igreja primitiva, ou melhor, à [Igreja] dos apóstolos e profetas; pois todos vão concordar até aqui que Elias, Jeremias, o Batista e São Paulo… esses homens santos e heróicos… se parecem mais com um pregador dominicano, ou um missionário jesuíta, ou um frade carmelita … do que quaisquer indivíduos, ou quaisquer tipos de homens que podem ser encontrados em outras comunhões”. (Desenvolvimento da Doutrina Cristã, págs.  97-100)

No entanto, Newman ainda tinha dificuldades com a Igreja Católica, e uma delas se sobressaía: aparentemente, ela tinha feito inúmeras adições ao depósito da fé cristã; coisas como o purgatório e a supremacia do Papa não podiam ser encontradas na história dos primeiros cristãos ou nas Escrituras. O pensamento anglicano dizia que essas coisas eram uma corrupção da fé cristã,  mas Newman quis ver mais a fundo se essas crenças eram legítimas. Isso o levou a realizar um estudo histórico extensivo, cujo fruto traria novas bases teológicas.

Ao final de sua investigação em 1845, ele publicou uma das suas principais contribuições ao pensamento cristão: “[O Discurso sobre] O Desenvolvimento da Doutrina Cristã”. Aqui, Newman explora a ideia paradoxal de que para uma ideia permanecer verdadeira em si, ela deve ser capaz de mudar e desenvolver-se. Fundamentalmente, Newman veio a perceber que ideias e doutrinas são coisas “vivas”; elas não devem ser puramente consideradas como crenças intelectuais ou regras morais, mas sim vitalizar os corações dos cristãos e o corpo da Igreja, assim como o próprio Cristo faz. Já que essas ideias são coisas vivas, Newman descreve uma ideia como uma criatura.

“… tenta, por assim dizer, [mover] seus membros, e experimenta o solo abaixo de si mesma, percebendo o seu caminho.  De vez em quando talvez falhe … Com o tempo vai adentrar em território estranho; e os velhos pontos de controvérsia alteram seu rumo … e velhos princípios reaparecem sob novas formas.  Ela muda com ele para permanecer a mesma. Em um mundo superior, é o contrário: aqui embaixo, viver é mudar, e ser perfeito é mudar frequentemente”. (ibid., págs. 39-41)

Apenas catorze anos depois, Charles Darwin iria publicar “A Origem das Espécies”, propondo a ideia da evolução darwiniana – outra exploração sobre mudança. Simbolicamente, as grandes teses de Newman sobre mudança surgiram em um outro grande período de mudança na sua própria vida, quando ele chegava a percepção que a Igreja Anglicana nunca poderia ser a igreja que ele tanto desejava. Então naquele mesmo ano, ele seria recebido na Igreja Católica.

1845 – 1851 | “É como chegar ao depois de uma viagem difícil”.

Em 8 de Outubro de 1845, o padre Dominic Barberi, um passionista italiano que estava na Inglaterra a trabalho missionário, chegou na residência de Newman em Littlemore. Newman o tinha convidado para ouvir sua confissão e recebê-lo para a comunhão da Igreja Católica. Nessa altura do campeonato, muitos dos que viviam com Newman em Littlemore já tinham se convertido.

A confissão de Newman levou tanto tempo que o Pe. Dominic insistiu que eles fossem dormir para continuar de manhã, já que era muito tarde da noite. Quando ela foi concluída, John Henry Newman foi recebido na Igreja Católica, um passo importantíssimo na sua jornada. Isso teve enormes consequências para o próprio Newman. Ao se converter, Newman perdeu a maioria dos seus amigos da Igreja Anglicana, sua família o rejeitou e ele não podia mais ser um membro de Oxford. Mais tarde, ele descreveria como as provações desse período o levaram a uma submissão mais plena da sua vida a Deus.

“Ele sabe o que está fazendo. Talvez, ele me tire meus amigos, talvez me coloque no meio de estranhos, talvez faça eu me sentir desolado, faça meu espírito se afundarem, esconda o meu futuro de mim – e mesmo assim Ele sabe o que está fazendo”. (Meditações e Devoções, págs. 301-302)

Sua conversão foi acompanhada de um grande senso de paz interior. Ele escreveu:

“A respeito da minha conversão, eu não fiquei ciente de qualquer mudança, intelectual ou moral, que ocorreu na minha mente. Eu não fiquei ciente de uma fé mais firme nas verdades fundamentais da Revelação, ou de um autocontrole maior; eu não recebi um fervor ainda maior; mas era como chegar ao porto depois de uma viagem difícil”. (Apologia Pro Vita Sua, pág. 238)

No ano seguinte à sua conversão, Newman foi mandado para Roma para aprofundar seus estudos e lá descobriu o modelo de vida comunitária cultivado pelos Oratorianos de São Felipe Neri. São Felipe Neri era um santo do século XVI e Newman viu nele um grande exemplo de um testemunho alegre. Ele também viu, no modelo de vida do Oratório, algo profundamente familiar. Certa vez ele escreveu:

“A coisa mais próxima, de fato, à uma congregação oratoriana que eu conheço … é um dos colégios nas universidades anglicanas. Pegue um colégio desses, destrua a casa dos coordenadores, tire as esposas e os filhos, restaure-o ao corpo de membros; e dê trabalho missionário e pastoral ao chefe e aos membros, e você vai ter uma Congregação de São Filipe diante dos seus olhos”. (Capítulo correspondente à Janeiro/Fevereiro de 1848)

Em 1 de fevereiro de 1848, com a aprovação do Papa Pio IX, Newman estabeleceu, em Birmingham, o primeiro Oratório de São Felipe Neri no mundo anglófono. Um ano depois, com um dos seus discípulos , Frederick William Faber, Newman fundou uma segunda comunidade Oratoriana em Londres. Nestes anos, Newman começou a se corresponder com os antigos envolvidos no Movimento de Oxford, para convencê-los que o lugar deles também era na Igreja Católica. A conversão de Newman fez que muitos nas esferas intelectuais de Oxford e Cambridge também viessem para a Igreja Católica, mas após retornar e estabelecer comunidades, Newman se endereçou às que ele antes liderou, encorajando-os a continuar buscando pelo espírito da Igreja verdadeira. Ele escreveu artigos intitulados “Certas Dificuldades de Anglicanos em relação ao Ensino Católico” e deu uma série de palestras sobre a “Situação Atual dos Católicos na Inglaterra”. No entanto, a próxima fase da jornada dele iria convocá-lo para ir muito além de sua amada Inglaterra, e para uma nova empreitada, ao mesmo tempo.

1852 – 1858 | “O conhecimento é uma coisa, a virtude é outra”.

Em 1852, Newman foi convidado a dar uma série de palestras em Dublin, na Irlanda, sobre os princípios e benefícios da educação universal. Ele também foi convidado por aqueles que queriam ver uma universidade católica ser fundada naquela cidade. Essas leituras iriam se tornar as primeiras partes do seu próximo trabalho: “A Ideia de uma Universidade”. Construindo sua crença em ideias desenvolvidas através de diálogos intensos, esse próximo artigo foi uma defesa da “educação liberal”. Ele expande aqui:

“A Universidade… possui um objeto e uma missão; ela não contempla nem a impressão moral nem a produção mecânica; ela não professa exercitar a mente nas artes nem nos deveres; sua função é a cultura intelectual; aqui, ela talvez abandone seus estudiosos, e terá completado seu trabalho quando tiver feito tanto quanto isto. Ela educa o intelecto para raciocinar bem em todos os assuntos, para buscar a verdade, e para compreendê-la”. (A Ideia de uma Universidade, págs. 125-126)

Em 1854, Newman foi apontado como reitor da nova Universidade Católica da Irlanda, atualmente Colégio Universitário de Dublin, pelos bispos irlandeses. Almejando construí-la baseado nos princípios traçados nas suas palestras, ele se inspirou na Universidade Católica de Louvain, Bélgica, mas também no sistema colegial de Oxford, que ele já conhecia muito bem. Durante seu tempo como reitor, ele supervisionou muitos projetos, incluindo a construção de prédios no campus, a publicação de jornais, e o recrutamento de funcionários. Ele provou ser não apenas um intelectual e líder espiritual forte, mas também um habilidoso gerente de grandes projetos.

Newman também queria conter a noção crescente de que ser culto e educado, ser um “gentleman“, era suficiente para formar a consciência moral. Reconhecendo que tal visão despreza a importância da religião católica na aquisição da virtude, Newman escreveu:

“O conhecimento é uma coisa, a virtude é outra; bom senso não é consciência, requinte não é humildade, muito menos a amplitude e justiça de visão é o mesmo que fé.  Independentemente de quão iluminada e profunda que seja, a filosofia não comanda as paixões e nem dá princípios influentes. … É bom ser um cavalheiro [(gentleman)], é bom ter um intelecto cultivado, um gosto delicado, uma mente sincera, equitativa e livre de paixões, mas ainda assim, eu repito, não há garantia para santidade ou mesmo para retidão.’ (A Ideia de uma Universidade, págs. 120-121)

Por quatro anos Newman serviu como Reitor Universitário em Dublin, mas por boa parte desse tempo ele teve problemas com essa função. Primeiramente, ele estava preocupado com o ainda recém-fundada oratório em Birmingham ao qual ele já não podia dispor seu tempo. Mas ele também se sentiu mal entendido e pouco apoiado pelos bispos irlandeses que o pediram para fundar a universidade. Foi uma posição extremamente exigente, obrigando-o a fazer cinquenta e oito viagens para a Irlanda em um período de sete anos. Em 1858, ele decidiu renunciar do seu cargo de Reitor Universitário e retornou para a Inglaterra, para a sua amada comunidade no Oratório de Birmingham.

1859 – 1878 | “Eu preciso dar a chave verdadeira para minha vida inteira”.

As próximas duas décadas da vida de Newman trouxeram para ele uma série de novos altos e baixos, com várias controvérsias que o levaram a escrever alguns dos seus melhores trabalhos.

A primeira dessas controvérsias veio quando, como editor do Catholic Review, ele foi atacado por alguns fiéis por adotar uma postura editorial vista como uma crítica ao Papa Pio IX, e por advogar que os fiéis sejam consultados na definição de dogmas. Isso o levou a escrever uma dissertação pública sobre o assunto se esclarecendo, mas por causa disso, alguns bispos viram ele como problemático e um deles até o denunciou a Roma por heresia. Pelos próximos oito anos, Newman foi visto com olhar suspeito por muitos em Roma. Ele que foi deserdado pela Igreja Anglicana por sua conversão, para então ser visto como suspeito pela Igreja Católica, a igreja que ele se sacrificou tanto para entrar, agora lhe deu uma grande amargura. Sobre esse período, ele escreveu que “como um protestante, eu sentia que minha religião era miserável, não a minha vida – mas, [agora como] um católico, minha vida é miserável, não a minha religião”. (Escritos Autobiográficos, págs.  254)

No entanto, outra tribulação pessoal se tornaria o catalisador para o trabalho mais pessoal de Newman – sua autobiografia, “Apologia Pro Vita Sua” – “em defesa da minha vida”. Em 1864, um clérigo anglicano e professor de Cambridge escreveu que Newman nunca tinha sido um anglicano honesto. Newman sentiu que precisava responder essa crítica, mas ele precisava abordar o desafio de uma maneira nova. O que ele decidiu fazer foi drástico. Ele decidiu escrever a história da sua vida inteira. Ele sentiu que precisava fazer aquilo, “dar a chave verdadeira para minha vida inteira; eu preciso mostrar quem eu sou, que talvez seja o que eu pareço não ser, e que o fantasma seja extinto… eu desejo ser conhecido como um homem vivo, e não como um espantalho”. (Apologia Pro Vita Sua, págs. XXII-II)

Por sete semanas, Newman trabalhou ao ponto de exaustão, escrevendo às vezes por dezesseis horas por dia. A honestidade e a sinceridade das quinhentas páginas do trabalho de Newman fizeram com que até seus críticos admirassem sua integridade; esta publicação contribuiu muito para restaurar sua reputação na Inglaterra, tanto entre os anglicanos quanto os católicos. Nos anos seguintes, Newman publicou outras obras, entre elas “Gramática do Assentimento”, uma profunda exploração filosófica de como a pessoa humana chega às convicções.

Com sua reputação restaurada, quando o Concílio Vaticano I foi convocado em 1868, muitos bispos pediram a Newman para servi-los como seu conselheiro teológico no Concílio. Apesar de que Newman estava particularmente interessado no tópico da infalibilidade papal, que o Concílio deveria discutir, ele recusou esses convites para completar “A Gramática do Assentimento”.

Em 1874, Newman se sentiu levado a responder um ataque feito aos católicos pelo primeiro-ministro, William Gladstone. Furioso devido à afirmação da infalibilidade papal pelo Concílio Vaticano, o premier afirmou que, devendo lealdade ao Papa, os católicos nunca poderia ser leais servos da Rainha. Newman escreveu uma carta aberta, respondendo à controvérsia de Gladstone de que os católicos não possuem “qualquer liberdade de pensamento”. Newman escreveu que os católicos “não merecem essa repreensão injuriosa de que são cativos e escravos do Papa”. Não muito depois disso, Newman iria se encontrar com muito trabalho para fazer pelo Papa, já que ele logo seria nomeado um cardeal da Igreja.

1879 – 1890 | “O coração fala ao coração”.

Em 1877, Newman retornou à sua amada Oxford pela primeira vez em 34 anos. Como um indicador de quanto os tempos haviam mudado, ele estava lá para receber a primeira membresia honorária do Trinity College. No entanto, em 1879, ele iria receber uma honraria ainda maior.

Depois da morte do Papa Pio IX em 1878, o papado do Papa Leão XIII começou. Leão admirava a firme ortodoxia religiosa de Newman e o apontou como cardeal em 1879. As notícias de que ele se tornaria cardeal se tornaram uma vindicação conclusiva da sua ortodoxia e lealdade à Igreja Católica. Ele mesmo declarou: “a nuvem está levantada para sempre”. Após receber o chapéu de cardeal em Roma, Newman descreveu como “por trinta, quarenta, cinquenta anos, eu tenho resistido com todas as minhas forças ao espírito de liberalismo na religião. A Santa Igreja precisa agora como nunca de campeões contra isso”. O Papa Leão estava tão afeiçoado a Newman e seu desejo de permanecer verdadeiro à fé que se referiu a ele como “il mio cardinale” – “meu cardeal”.

Newman escolheu para seu lema de cardeal as palavras “cor ad cor loquitur” – “o coração fala ao coração”. Quando ele foi feito cardeal, Newman pediu especificamente para não ser consagrado bispo (já que os cardeais são tipicamente chamados do escalão de bispos), e ele pediu permissão para permanecer em Birmingham. Ambos os pedidos foram atendidos e ele continuou a viver como um cardeal, ainda escrevendo, no Oratório de Birmingham.

A elevação de Newman ao cardinalato foi amplamente louvada pelos seus compatriotas. Como um amigo dele, que era anglicano, escreveu : “eu imagino se você sabe o quanto você é amado pela Inglaterra… por todos os que possuem consciência religiosa na Inglaterra. E até mesmo os inimigos da fé são acalmados pelo sentimento que têm por você. E eu imagino se essa amor extraordinário e sem igual não deveria ser … utilizado como um meio de unir todos os fiéis ingleses numa redil só”.

No ano anterior à sua morte, ele escreveu sobre sua jornada à santidade. “Tais são os meios pelos quais Deus tem me provido para a criação do santo a partir do pecado; Ele o toma como é, e o usa contra ele mesmo: Ele direciona suas afeições para outro canal… isso é o próprio triunfo da Sua graça, para que Ele entre no coração do homem, e o persuada e prevaleça com ele, enquanto Ele o muda”. (Pureza e Amor, págs 71-72)

Nos seus últimos anos, Newman continuou a guiar espiritualmente e se corresponder com muitos. Ele morreu aos 89 anos em 11 de agosto de 1890. Dezenas de milhares de pessoas lotaram as ruas de Birmingham próximo ao Oratório para o seu cortejo fúnebre. Ele foi enterrado no cemitério do Oratório. No seu túmulo está escrito: “das sombras e dos símbolos, à verdade”. A jornada de Newman em busca da verdade estava completa.

Fonte: Newman Canonisation – Oratórios da Inglaterra

Disponivel em: https://www.newmancanonisation.com/newmans-life

Tradução: Symon Bezerra 

São João Newman, rogai por nós!