Por Gabriel Tavares

Nasci em uma família especial – pais amorosos e dedicados ao serviço a Deus na igreja protestante, especificamente de tradição presbiteriana, com ênfase evangelical e carismática. Meus pais eram missionários na Escócia quando nasci naquele lindo país. Ao retornarmos para o Brasil, recebi o batismo infantil através da Igreja Presbiteriana do Brasil. Minha mãe vinha de família tradicionalmente presbiteriana e meu pai, ainda que sua família fosse de maioria Católica, era pastor presbiteriano.

É impossível falar de minha trajetória rumo à Santa Igreja Católica sem mencionar a influência positiva que recebi de meu pai. Mesmo sendo um pastor protestante, sempre aprendi dele, desde criança, a importância dos cristãos que viveram antes da chamada “Reforma” Protestante, principalmente dos cristãos místicos que vivenciaram incríveis experiências com Deus. Lembro claramente de vê-lo ensinar acerca de Santo Antão do Deserto, São Francisco de Assis, Santa Teresa D’Ávila, entre outros. Para mim, era impressionante ver o amor que estes homens e mulheres tinham por Jesus Cristo e pela Igreja; amor este que os fazia abraçar o sofrimento, a pobreza, a doença e até mesmo o celibato.

Consequentemente, todo meu florescer como cristão protestante se deu de forma consciente de uma ação de Deus na Igreja que ia muito além dos meios nos quais eu estava inserido. Apesar da alta estima que eu carregava em meu interior quanto a estes Santos, cresci como qualquer um que nasce em berço evangélico: cheio de preconceitos acerca de qualquer coisa que fosse declaradamente católica, muito devido ao exemplo de pessoas que se declaravam católicas em meu meio de convivência, mas que não viviam coerentemente a Fé Católica. Além disso, seguindo a lógica evangélica, eu sempre acreditei em todas as coisas que minha família, amigos e professores diziam que a Igreja Católica ensinava.

Todos os “espantalhos”[1] que o senso comum protestante ensina acerca do Catolicismo são muito bem estabelecidos em nosso inconsciente. Isso ao longo de anos de pregações, leituras, orações e conversas. São poucos os que cresceram com tal inconsciente e que chegam a questionar coisas do tipo: “Será que os Católicos realmente adoram imagens? Será que os Católicos, de fato, creem que a salvação não se dá pela graça? Será o Papa realmente o anticristo? Eles adoram Maria?”. Não os culpo por não se questionarem, pois em certos meios, o simples fato de questionar os sofismas protestantes já seria sinal de que há algo de errado com a pessoa (mental ou espiritualmente).

Acerca de meu florescimento como cristão, em 2015, dentro da Igreja protestante, eu estava, nesta época, junto de minha família em uma igreja carismática não-denominacional, onde fui instruído a receber novamente o batismo. Tive uma experiência intensa com Cristo, que se revelou a mim como um Deus pessoal, que me chamava a segui-lo de forma a entregar minha vida, escolhas e futuro a Ele. A Pessoa do Espírito Santo era, agora, minha companhia constante, aquele Fogo em meu coração que me guiava em minha busca por conhecer mais da fé que agora eu abraçava de forma intensa.

Como um jovem protestante nesta era digital, o caminho dos estudos da fé cristã se mostrou para mim ser o “Neo-Calvinismo”. Me debrucei no estudo da teologia e, a partir do meio em que eu vivenciava minha fé, fui incentivado por meus pastores a ler materiais teológicos das mais diversas vertentes protestantes, desde os reformados até os pentecostais de Terceira Onda – tirei muito proveito dessa experiência. De imediato percebi que os autores e homens de Deus que mais me ensinavam, discordavam entre si em assuntos fundamentais.

No começo eu não problematizei nada disso, apenas encerrava tudo por uma catolicidade da igreja, a partir da compreensão de que a unidade da igreja de Cristo se dava de forma invisível. Desta forma, eu ia formando, assim como a maioria dos meus amigos mais próximos, minha própria convicção de fé, que não se encaixava completamente em nenhuma confissão protestante já existente.

Diante de meu desenvolvimento teológico, minha habilidade no ensino na igreja local, meu carisma musical no louvor, e meu desejo por seguir uma vocação religiosa, fui encaminhado ao seminário presbiteriano para formação teológica formal, afim de me tornar um pastor – eu me encontrava em uma das poucas vertentes protestantes que ainda exigia uma formação formal antes de ordenar seus pastores, diferentemente da maioria que apenas ordenava qualquer um que fizesse um semestre de curso de liderança. Me encontrava em um ambiente no qual tive acesso aos meus primeiros estudos formais acerca da história da Igreja e de estudos teológicos que se firmavam em uma tradição confessional específica, a saber, os Símbolos de Fé de Westminster.

Aproveito para pontuar que, recentemente, ouvi um dos responsáveis pelo ensino dos seminários presbiterianos no Brasil dizer que aqueles que deixam o protestantismo para se tornarem Católicos são “menos preparados na Palavra” – acredito que quem disse isso está completamente equivocado. Além do fato de eu ter saído de uma instituição bem estimada no quesito formação bíblica, meus amigos, familiares, e até mesmo colegas de seminário, são testemunhas do meu conhecimento das Escrituras Sagradas e meu desejo ardente por conhecer ainda mais a Revelação de Deus. Segui me aprofundando na Teologia, indo além do que era a grade curricular do seminário.

Durante o primeiro semestre de 2018, fiz amizade com um irmão, colega de sala do seminário, que me incentivou a pensar acerca de grandes lacunas que os principais pilares da “reforma” protestante deixavam, tais como as incoerências práticas do sola scriptura e do sola fide – fundamentos da epistemologia protestante. Ele que me falou acerca de seus incômodos sobre o que havia descoberto após ler os escritos dos Pais da Igreja. Ele, também, me apresentou o “tripé católico”, me apresentando parte do que eu ententi ser a epistemologia católica e, nesse período, ele me contou sobre tal Cardeal Newman, que era protestante anglicano e que havia se tornado Católico – e que hoje é venerado como Santo. Isso me deixou extremamente curioso e também incomodado.

Resumidamente, ao pensar sobre a insustentabilidade daqueles principais pilares do protestantismo, ficou claro para mim que, sem tais pilares, todo o protestantismo perdia o sentido. Ora, se as Escrituras fossem a única e exclusiva regra de fé e prática, mediante o livre exame e iluminação do Espírito – sem depender de uma voz exterior de autoridade –, a realidade não seria tal como é: estima-se que 5 novas denominações protestantes surjam a cada semana, e cada uma delas afirmando com convicção estar seguindo o Espírito Santo e o sentido pleno das Escrituras. Posteriormente, vi como as Escrituras em nenhum momento reduzia a Palavra de Deus a algo somente escrito. Pelo contrário, a Bíblia me contava que a Palavra autoritativa de Deus era encontrada em sua Igreja, continuidade da encarnação do Corpo de Cristo na terra – seja na Tradição (2Tes 2,15, por exemplo) ou em sua pregação e ensino (e.g.: 1Pe 1,25; Mat 18:17).

Me atentei às palavras do Apóstolo Paulo a Timóteo, dizendo que a Igreja era “a coluna e fundamento da Verdade” (1Tim 3,15), e logo percebi um problema: se a Igreja não ensinasse com autoridade infalível, quem me garantiria que os livros bíblicos que eu tanto amava eram os livros corretos? Além disso, toda a ortodoxia cristã que eu abraçava – verdades como a Trindade, Pessoa do Espírito Santo, União Hipostática de Cristo etc. – também havia sido definida em concílios ecumênicos da Igreja, através da autoridade do Magistério, da mesma forma que a decisão final dos livros bíblicos. Como ter certeza de qualquer verdade fundamental acerca do Cristianismo sem depender de quem o próprio Cristo estabeleceu como fundamento da Verdade?

Além disso, colocar o moto da justificação somente pela fé, lado a lado com outros textos das Escrituras que afirmavam categoricamente que tal doutrina não existia, foi crucial. Lutero percebeu tal incompatibilidade a ponto de desejar retirar a epístola de Tiago, por exemplo, de sua listagem dos livros do Novo Testamento. Tal distinção era tão evidente nas Escrituras, que nunca antes do século XVI tal ensinamento havia sido abraçado pelos cristãos, como alguns autores protestantes mesmo admitiam (por exemplo, Alister McGrath, um anglicano), concluindo que o ensino protestante do Sola Fide era uma novidade dogmática.

Simultaneamente, comecei a ver como a teologia dos Pais da Igreja apresentada a nós no seminário era totalmente recortada e seletiva, e me deparei com uma realidade estarrecedora: muito antes de uma suposta corrupção feita pelo imperador Constantino, os cristãos da única Igreja existente, a Igreja Católica como eles a chamavam, criam em doutrinas que eram as mesmas doutrinas cridas pela Igreja Católica de hoje. Isso me levou a tentar rebater tais constatações estudando e lendo todo tipo de apologética protestante que estava ao meu alcance, principalmente as que lidavam diretamente com os documentos oficiais do Magistério da Igreja Católica.

Não se tratava apenas de encontrar o Catolicismo na Patrística, mas principalmente de constatar uma coisa: sem qualquer anacronismo, existia um corpo, uma espécie de colegiado de cardeais e bispos Católicos junto ao Papa, que guiava a Igreja no correto e legítimo entendimento do sentido das Escrituras e do sentido da Patrística – o Magistério. Isso fez minha mente, que era completamente cheia de subjetividades, enxergar que era possível vivenciar uma unidade visível, da mesma forma que Cristo havia orado, em João 17:21, associando a unidade da Igreja com a fé que o mundo teria Nele.

Cada vez mais me parecia claro que Cristo havia estabelecido um Reino visível na Terra – vide paralelo entre Isaías 22,20-24 e Mateus 16,17-19 – e nos dado um governo universal para nos ensinar sua Revelação (interpretando as Escrituras e a Tradição) e administrar seu povo, por meio de Pedro e da sucessão de seus Apóstolos e seus Concílios.

No final das contas, não é que eu não queria admitir que os primeiros cristãos eram católicos, ou que sem a autoridade da Igreja não podemos conhecer a Revelação completa de Deus, mas sim que eu tinha medo do que tal posição exigiria de mim, da minha coerência. Eu estava no caminho para ser pastor, já havia uma vaga praticamente garantida, um salário altíssimo à minha espera, um casamento marcado, uma família orgulhosa de mim, amigos que me tinham em alta estima. E se eu assumisse que existe algo sobrenatural no fato de que Deus preservou a fé da Igreja Católica por mais de 2000 anos?

Após mais de 2 anos e meio estudando sobre como o protestantismo poderia responder a essas realidades que a Teologia Católica me mostrava, vivi situações pessoais que me mostraram, na prática, a célebre frase de Aristóteles: “Para apreciar a beleza de um floco de neve é necessário ficar de pé no frio”. O sofrimento se instaurou em minha vida emocional de forma intensa, além do fato de que fui percebendo diversas ocasiões nas quais aqueles “pilares reformados” se mostravam totalmente prejudiciais à fé e vida de santidade das pessoas ao meu redor. Naturalmente, me abri à possibilidade de Deus estar agindo como o Bom Pastor, e me chamando a voltar para Casa, em sua Igreja visível.

Na mesma época, conheci dois personagens centrais em minha busca às repostas dos meus questionamentos: o ex-pastor presbiteriano Scott Hahn, e o sacerdote Católico Padre Paulo Ricardo. A partir dali, iniciei uma jornada de descobertas, profundidade, devoção e amor, enquanto aprendia a depender mais de Deus em minha vida de santidade. Continuei me debruçando nos estudos da Tradição Católica, assim como da Tradição Oriental, pois eu precisava saber também o porquê de não me tornar um Ortodoxo, mesmo amando a Espiritualidade Cristã Oriental.

Muito mais do que conclusões lógicas e racionais, dois momentos específicos me fizeram ter a certeza de que eu precisava dar um passo de fé, abraçar a coragem e as consequências e me tornar Católico, ciente de que perderia amigos, dinheiro, prestígio, emprego, familiares. Os dois momentos se relacionam com o lado sensível do ser humano, partindo da realidade de que a beleza é absoluta porque a Verdade é absoluta – e a Verdade é Cristo, total, Cabeça e Corpo da Igreja.

No primeiro momento, me vi tocado de uma forma diferente ao contemplar dois ícones bizantinos clássicos de Jesus Cristo e da Mãe de Deus, enquanto ouvia sinos de uma Igreja – contemplar aquela beleza trouxe ao meu espírito uma certeza de que minha fé era mais tangível do que eu sabia. No segundo momento, fui à uma Missa pela primeira vez na vida e, de forma especial, experimentei Deus tirando de meu coração toda dúvida, no momento em que o Padre segurando a Hóstia consagrada disse: “Eis o Cordeiro de Deus”. Em meio a toda aquela liturgia que comunicava uma paz sem igual ao meu coração, era como se eu sentisse dentro de mim uma fome por me alimentar de Cristo naquele Sacramento, enquanto me lembrava de suas palavras: “quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna…”

 Daquele momento em diante eu sabia: preciso dessa comunhão integral com Cristo – todo o meu ser, devoto, submisso ao seu governo visível instaurado na terra, plenamente instaurado em seu Corpo, me alimentando verdadeiramente dele, estando mais unido a Ele do que algum dia eu poderia sonhar ser possível. Ao mesmo tempo em que vivenciava esses anseios e decisões, me atentei à voz da Igreja que me ensinava que era possível ser santo e que, a partir do momento que eu me tornasse um Católico, a Igreja me daria todo um arsenal para caminhar nessa direção da vontade de Deus – a saber, o Sacramento da Reconciliação, o Santo Rosário, o Cordão de Oração, a Liturgia das Horas, as Novenas, e tantas outras práticas – e agora “só dependeria de mim”.

Após regular minha vida sacramental, atendendo à Confissão e recebendo a primeira Comunhão, passei a experimentar muitas graças de Deus em minha vida vindas diretamente da realidade da Comunhão dos Santos em si, dentre elas a mais especial foi a graça a qual minha noiva se tornaria Católica em um dia específico que eu havia pedido por intercessão de São John Henry Newman. Desde então, mesmo em meio a tempos incertos e turbulentos, sempre erguemos os olhos e o coração a Deus, com gratidão transbordante – gratidão esta que se renova a cada vez que vamos à Santa Missa e comungamos, ou quando vamos à confissão, quando rezamos juntos… quando simplesmente nos lançamos como ovelhas nos braços do Bom Pastor que tanto nos ama.


[1] Termo usado para definir um certo tipo de falácia, em que, em um debate, a pessoa ignora a posição do adversário e a substitui por uma versão distorcida, representando a posição de forma errada. Acrescento: a fim de assustar, e impedir que outros se aproximem da real posição do adversário.