Por: Antônio Marcio
“Para que todos sejam um” João 17,21
Da fragmentação à unidade; Da parte à autoridade
“Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja Católica” – Santo Agostinho
Em dezembro do ano passado deixei o protestantismo, que me acolheu por quase 20 anos. Sou muito grato à experiência que vivi, pois foi numa igreja protestante que se deu a minha conversão a Jesus Cristo. Sou imensamente grato aos pastores e amigos/irmãos evangélicos com quem convivi por quase 2 décadas, pois fui alcançado pelo amor e pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo no protestantismo. Espero sinceramente não perder nenhum dos meus amigos e irmãos protestantes por causa deste texto.
Nasci católico, cresci como “católico”, péssimo católico e, portanto, cristão nominal, sem compromisso, sem ter certeza do que era: se era um mau cristão ou simplesmente um ímpio. E, por causa disto, não dei a mim a oportunidade de conhecer toda a beleza e verdade da Igreja Católica.
E continuei um mau cristão (ou não convertido) no protestantismo por um bom período até que, num determinado momento, como protestante, Deus venceu em mim a última e derradeira batalha para um comprometimento sincero e real com Cristo.
Mas minha conversão culminou numa “crise eclesial” incessante. Eu nunca consegui aceitar a ideia do Corpo de Cristo visivelmente dividido. Este foi e será meu constante tormento; é algo que verdadeiramente me dói, me atormenta e me entristece. (Costumo indagar a Deus, em tom de brincadeira, “por que o Senhor não me fez viver na Terra antes do ano mil?”) (Rs).
O fato é que esta minha “crise eclesial” culminou com minha volta para a Igreja Católica Apostólica Romana em janeiro deste ano. E para explicar um pouco disto, eu escrevo este texto.
Assim como eu não conheci a Igreja Católica antes, por ser um mau católico, continuei sem conhecê-la como protestante, como ocorre com a maioria dos protestantes que só conhecem uma sombra difusa (um espantalho) que julgam ser a Santa Igreja.
[Não percebia, por exemplo, o quanto uma santa missa é profunda e totalmente cristocêntrica, do começo ao fim; que todos os textos litúrgicos e orações da missa são retirados das Escrituras; que todos os domingos são lidos não um, mas quatro textos bíblicos; que toda homilia (sermão) é estritamente voltado para a conversão do pecador ou para a edificação do crente (nada de auto-ajuda ou afagos antropocêntricos) e que o ponto alto disto tudo é o Banquete do Cordeiro, a Santo Sacramento da Eucaristia, o momento mais sublime que um ser humano pode vivenciar neste mundo!]
No começo, a divisão dentro do próprio protestantismo me incomodava e era um escândalo para mim. Mas chegou o momento que fui tomado por um certo desespero. A divisão visível da Igreja não poderia ser nunca a vontade de Deus. Minha inquietação e desconsolo insuperável diante de um Corpo visivelmente dividido fez com que o tema principal de minhas orações desde 2016 fosse um incessante lamento pela divisão do Corpo de Cristo entre os fiéis vivos da Terra. (Digo isto porque, certamente, este não é o estado da Igreja entre os fiéis vivos no Céu, nossos irmãos que na Glória intercedem por nós).
E Deus começou a responder as minhas orações com um grupo de amigos maravilhosos de várias denominações (a quem batizamos de ‘O Barco’). E dentre estes amigos, o Senhor usou especialmente um ex-protestante converso ao catolicismo, Gustavo Abadie.
Através deste grande amigo e irmão, tive acesso a outros irmãos católicos que levavam a fé a sério, a muitos autores e livros, a inúmeras informações e testemunhos exemplares. Especialmente às centenas de histórias de conversões (do programa The Journey Home de Marcus Grodi) de grandes pastores e teólogos americanos.
Através deste instrumento de Deus que foi o Gustavo, pude conhecer padres e leigos piedosos, verdadeiros católicos professos e comprometidos com o Evangelho de Jesus Cristo, e diversos autores edificantes, como Scott Hahn (o primeiro que li no início do processo) e Adolphe Tanquerey (o que eu estava lendo no momento que tomei a decisão). (Mas, digo de passagem que nenhuma obra se compara ao inestimável Catecismo da Igreja Católica).
As inumeráveis descobertas feitas pelos estudos (especialmente nas áreas da Patrística e História da Igreja) eram insistentemente entrecortados por muitas orações.
Aliás, as orações é que me deram a certeza de que a decisão final não fora um erro.
Jamais poderiam ser elencadas aqui essas inúmeras “descobertas”, mas, apenas a título de exemplo, menciono uma que inverte toda a perspectiva protestante: a compreensão de que a autoridade última e visível para os primeiros cristãos (e para todos os cristãos até o advento do renascimento humanista, racionalista e individualista) estava assentada na Igreja (Magistério) e não nas Escrituras. Isto nunca fora questionado antes de 1.500. Foi assim por toda a história da Igreja (e não posso conceber que o Espírito Santo tenha permitido um erro tão grave): a autoridade última e visível era a própria Igreja conduzida pelo Espírito. A Igreja é a voz de Cristo.
Aliás, a autoridade das Escrituras era sustentada e legitimada pela autoridade da Igreja, e não o contrário. A Igreja (Magistério), dirigida pelo Espírito Santo, dera aos fiéis o Cânon. A Bíblia nasce da Igreja, que é “Coluna e Baluarte da Verdade” (1 Timóteo 1,15). E pelo mesmo Espírito, a Igreja fazia e faz uso desta parte escrita (Sagradas Escrituras) junto com a Tradição para dar pleno desenvolvimento e sentido às doutrinas que sustentam a Fé Católica e Apostólica.
Como foi impressionante para mim descobrir que uma oração pedindo a intercessão da Virgem Maria que chegou até nós (Sub Tuum Praesidium) data do século 2 ou 3, e não da Idade Média, e que as catacumbas dos cristãos perseguidos estavam repletas de nomes de mártires seguidos da frase “intercedei por nós”. Uma das mais comuns era: “Pedro e Paulo, roguem por todos nós” (teria o Espírito Santo abandonado tão cedo os primeiros cristãos à apostasia? Certamente que não).
Os Pais da Igreja, para minha grande surpresa, nunca acreditaram na justificação apenas (somente) pela fé. Eu achava que a Igreja antiga era “protestante” e que grande surpresa foi para mim descobrir que a Igreja antiga era católica, que nunca houve desvio (apostasia) coisa nenhuma, mas apenas abusos pontuais de homens pecadores (como Tetzel no tempo de Lutero).
Que surpresa descobrir, por exemplo, que todos eles, os cristãos primitivos, rezavam pelos mortos e pediam a intercessão dos mártires. Foi a maior descoberta de toda a minha vida! Para os Pais da Igreja, a maior autoridade não era as Escrituras: era a própria Igreja. Eu de fato chorei quando descobri isto. A ideia de apostasia da Igreja depois de Constantino, ou na Idade Média, era falsa.
Compreendi então que a revelação da salvação, dada por inteira no Cânon definido pela própria Igreja, não encerrava o pleno entendimento (compreensão) final do corpo doutrinário, como disse o próprio Senhor: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade”. (João 16,13);
De fato, muito do que está presente nas Escrituras somente como gérmen doutrinário se desenvolveu, por etapas, desde os Pais da Igreja, sob a ação do Espírito Santo, de modo lento e gradual, até sua forma final e clara para a compreensão dos fiéis (a doutrina da Trindade ou da dupla natureza de Cristo não estão prontas e acabadas nas Escrituras).
A própria ideia de intercessão dos santos era estranha para a mentalidade judaica da Palestina (embora não tanto para os judeus fora da Palestina, como atesta Macabeus) e o que os reformadores fizeram neste caso, quando julgaram estar sendo fiéis às Escrituras, foram ser fiéis à mentalidade judaico-palestinense, desprezando 1.500 anos de desenvolvimento da compreensão cristã (bela, rica e profunda) da Comunhão dos Santos conduzida pelo Espírito Santo desde os primeiros martírios (Policarpo, etc).
A Comunhão dos Santos em seu entendimento completo, o que inclui a intercessão do Corpo celestial de Cristo (santos e anjos) pelos fiéis peregrinos na Terra, é um tesouro inestimável da Caridade cristã que não estava ainda expressamente claro para os autores do Novo Testamento, de mentalidade judaica, mas seu gérmen já se encontra no Apocalipse em diversas passagens, sinalizando que os santos e mártires estão vivos no Céu, e orando sem cessar! Ora, para quem os santos mártires do Apocalipse oram? Para eles mesmos que já estão na glória?
Assim, é possível traçar a genealogia da percepção e conhecimento de muitas doutrinas ao longo da história cujas sementes já estão contidas nas Escrituras e que demonstram que não foram invenções e imposições de um ou outro papa, mas um processo de gestação gradativo no seio do Corpo de Cristo que é a própria Igreja (o próprio papado tem seu gérmen nas declarações do Senhor Jesus a Pedro).
Assim ocorre com a doutrina da Trindade cuja percepção dos autores canônicos não é a mesma da dos pais apostólicos, e a desses não é a mesma dos pais pré-nicenos, e a destes por sua vez não é a mesma dos pais pós-nicenos. Digo, não no sentido de contradição, mas de desenvolvimento da doutrina. Houve um aperfeiçoamento histórico gradativo do entendimento humano da natureza de Cristo, da Pessoa do Espírito Santo e da doutrina da Trindade.
Do mesmo modo, a doutrina do purgatório, cuja semente encontra-se presente em algumas declarações do Senhor Jesus, que foi sendo aprofundado pelos pais da Igreja e só chegou a seu pleno conhecimento na Idade Média.
Assim também foi ficando mais claro para o povo cristão a profundidade do que significa ser Igreja, Corpo de Cristo, como sendo Comunhão não só dos fiéis vivos ainda peregrinos na Terra, mas também dos fiéis vivos e triunfantes no Céu: a família toda! O Cristo inteiro: a cabeça e seus membros, seus santos e santas (e também anjos), incluindo aquela que é a mais doce e humilde criatura, escolhida para ser a portadora de Deus na história, e que o próprio Filho, Verbo de Deus, entregou como mãe a todos os seus irmãos redimidos por Ele. E as sementes mais uma vez já estão nas Escrituras: “Todas as gerações me chamarão de bendita” (Lucas 1,48); “Filho, eis aí a tua mãe” (João 19,25), dentre outras passagens. O Evangelho puro inclui os seus santos, porque Deus, ao trazer a salvação, veio para fundar uma Família. E mais do que isto: uma família unida na Terra e nos Céus.
As incontáveis conversas com o Gustavo e com outros amigos católicos, incluindo padres que honram piedosamente sua vocação, a leitura de livros indicados por estes, as leituras e vídeos na internet que eu mesmo buscava por conta própria, e sobretudo muitas orações, foram abastecidos e enriquecidos por um tesouro inigualável e surpreendente para mim: a vida dos santos (seus milagres e suas obras escritas). Tornaram-se compreensíveis para mim, pela primeira vez, as palavras do Senhor:
“Aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas” (João 14,12). E a vida dos santos e a quantidade absurda de milagres de todos os tipos dentro da Igreja Católica ao longo de 2 mil anos é impressionante! A vida de um único santo, como a de São Padre Pio de Pietrelcina, que viveu no século passado entre nós, é ornada de uma multidão impressionante de milagres, de todos os tipos imagináveis, quase diários e inexplicáveis (e todo aquele poder não vinha de Padre Pio, mas do Senhor Jesus, como ocorre com todos os santos da Igreja) e que não é outra coisa que o testemunho vivo da ação do Espírito Santo na Igreja. Nunca houve cessacionismo na Santa Igreja nestes 2 mil anos; o Vaticano (utilizando sempre um corpo sério e bem selecionado de médicos e especialistas) é extremamente criterioso e exigente para identificar e aceitar cada milagre que ocorre.
Assim pude comprovar o quanto estamos “rodeados por tão grande nuvem de testemunhas”! (Hebreus 12,1). E destes irmãos e amigos que já se encontram no Céu, devo gratidão especial (além de nossa mãe, Virgem Maria, que muito orou por mim) a dois que me ajudaram na fase crucial da decisão: São Francisco de Sales, o humilde e amável bispo da Genebra calvinista, doutor da Igreja, que me convenceu da tomada final da decisão no dia 24 de janeiro (que era o dia dele, e eu não sabia; só fiquei sabendo 4 ou 5 dias depois!) e Santa Teresinha, também doutora, que me persuadiu como nunca antes da inadiável urgência de amar a Cristo (“só tenho o dia de hoje para amá-Lo”) e me mostrou um caminho simples (a pequena via) mas eficiente para viver a santidade. Eu sei que eles me ajudaram e eles sabem da minha gratidão.
E não há idolatria nenhuma nisto, nem diminuição ou divisão da glória de Deus, pois o que esses dois santos fizeram (e todos os santos fazem) foi me levar a amar mais a Cristo e a obedecê-Lo ainda mais! (Espero, nesta altura, que ninguém ainda confunda oração de intercessão dos santos com mediação para salvação que é somente por Cristo).
Portanto, tudo para mim tornou-se claro quando eu compreendi de onde parte toda a autoridade a que devo me submeter: a Santa Igreja dirigida pelo Espírito Santo: a Comunidade una e católica dos Fiéis, Apóstolos, Mártires, Pais, Santos e Doutores. E não poderia ser de outra forma, pois o Senhor não poderia se enganar nestas palavras: “eis que estarei convosco todos os dias até o fim do mundo”.
Por último, testifico que embora tenham sido muitos estudos, muita leitura, testemunhos e exemplos de vidas piedosas e tudo o mais, o que mais conta para mim foram três anos inteiros de oração (orando sem cessar), e pedindo o auxílio divino, com sinceridade e abertura para Deus agir em mim. E, francamente, não acho que Deus traria a resposta com engano, conduzindo-me ao erro, pois foi a Ele, ao Senhor Jesus, que orei. Minha travessia para a Igreja Católica me levou a adorar mais a Deus e a amar e honrar sua Família na Terra e nos Céus.
Depois destes três anos orando pelo mesmo motivo, já no pós-retorno, passaram mais 8 meses de oração contínua ao Senhor (incluindo este texto-testemunho que escrevo orando), pedindo iluminação ao Espírito Santo para compreender o que ainda vai ficando de dúvidas. E as respostas continuam vindo, o Senhor me esclarecendo, me iluminando a cada dia. Só posso fazer minhas as palavras de Santa Teresinha: “Ó meu Jesus, deixa-me te dizer que o teu amor vai até a loucura”. É óbvio que minha volta para a Igreja Católica não sana meu desconsolo pela divisão visível do Corpo do Senhor na Terra, mas encontrei paz suficiente para terminar minha jornada do lado de cá e disposição para orar esperançoso todos os dias pela unidade dos cristãos. E de fato rezo todos os dias a fórmula indulgenciada pela Santa Igreja:
Ó Deus todo poderoso e cheio de misericórdia, que por vosso Filho quisestes reunir a diversidade das nações num só povo, concedei aos que se gloriam do nome de cristãos rejeitarem toda a divisão e se unirem na verdade e na caridade, e assim todos os homens, iluminados pela luz da verdadeira fé, se reúnam em comunhão fraterna numa só Igreja. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.