Ecumenismo e a Unidade da Igreja – Diácono Jeferson Alves
As palavras do Senhor em sua oração sacerdotal não devem nos fazer desiludir, desesperar em constatar as divisões e feridas no Corpo Místico de Cristo, mas deve ressoar no coração dos cristãos o grito do Senhor, que a plenos pulmões diz: ‘Que todos sejam um’.
Nesse sentido, as incompreensões mútuas (fruto do pecado) priva o mundo de um testemunho comum. Os homens de nossa época necessitam de uma palavra concorde e plenamente crível e, dessa maneira, terão razões sólidas para acreditar em Cristo e esperar sua vinda gloriosa.
A unidade do gênero humano deve impelir os irmãos remidos pelo Senhor a buscar a plena comunhão de fé e da caridade. Além do mais, deve-se sentir a dor de ainda não podermos participar da mesma Eucaristia, sinal perfeito e vínculo visível de unidade.
Não há dúvida que o Espírito está em ação neste empreendimento, conduzindo a Igreja para a plena realização do desejo do Pai, em conformidade com a vontade de Cristo. Por isso, hoje, Cristo pede um novo ímpeto, ânimo e vigor no empenho e restabelecimento da comunhão plena e visível. Sendo assim, é urgente revisitar, de tempos em tempos, a diretriz geral do Concílio Vaticano II no tocante ao trabalho ecumênico: o Decreto Unitatis Redintegratio.
O Decreto é um primoroso texto: sua elaboração (mediante muitas seções e votações, correções no texto), seu valor doutrinal, bem como a compreensão católica de Ecumenismo, pautado em princípios e práticas para a completa e visível reintegração da unidade de todos os cristãos. É ele o guia e linha condutora de todo trabalho ecumênico. Entretanto, antes de trabalhar pela reintegração da unidade, a Igreja precisa pedir a graça de reforçar a sua própria unidade e a partir desta unidade interna fazer crescer a plena comunhão com os outros cristãos.
Faz-se necessário recuperar uma autêntica apologética como faziam os Padres da Igreja para a explicitação da fé. Uma apologética nem estritamente negativa ou meramente defensiva per se. Ela deve implicar, na verdade, a capacidade de dizer o que e como acreditamos, transmitindo de maneira clara e convincente, fazendo a verdade na caridade, conforme São Paulo (Cf. Ef 4,15).
Destarte, a prudência e clareza na exposição da fé católica evitam a indiferença na busca da unidade como também a posição de derrotismo que tende a enxergar tudo como negativo. Na busca desta unidade não bastam palavras, mas gestos (princípios e práticas) que sacudam as consciências e penetrem os espíritos, impulsionando cada um no caminho da conversão interior, que, como diz a Unitatis Redintegratio, é o fundamento de todo processo do ecumenismo.
Além dos encontros de oração ecumênicos, outros passos e avanços rumo à unidade dos mais variados já foram dados:
- Por parte da Igreja Católica: o Decreto Unitatis Redintegratio (1964); Diretório para a aplicação dos princípios e normas sobre o Ecumenismo (1994); a Encíclica Ut Unum Sint (1995); o Vade Mecum Ecumênico para os Bispos da Igreja (2020);
- Criação de diversas comissões de diálogo teológico: luterana-católica (1967); metodista-católica (1967); anglicano-católica (1970); ortodoxa-católica (1979); católico-pentecostal (1969);
- Traduções, Sessões, Declarações e Relatórios Conjuntos: Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB, 1995); O Dom da Autoridade – Comissão Anglicano-Católica (1990); Vida em Cristo: Moral, Comunhão e Igreja – Comissão Anglicano-Católica (2001); O Evangelho e a Igreja (1972); A Doutrina da Justificação – Comissão Luterana-Católica (1999); Crescer juntos na Unidade e na Missão – Comissão Anglicano – Católica (2001); A autoridade de ensinar entre católicos e metodistas – Comissão Metodista-Católica (2002); Maria: Graça e Esperança em Cristo – Comissão Anglicano-Católica (2005); Do conflito à comunhão – Relatório Católico- Luterano (2017).
Muitas questões delicadas e controversas, no que diz respeito à aplicação moral do Evangelho; relação entre Fé e Ciência; Evangelho e Sociedade; Evangelho e Cultura; o culto aos Santos e à Virgem Maria a Infalibilidade do Papa e outros, são pontos a serem aprofundados por um diálogo que ajude no entendimento mútuo.
É preciso olhar com esperança para o futuro. A abstenção de qualquer zelo superficial, sarcasmos ou ironias imoderadas que possam prejudicar o progresso da unidade é condição sine qua non para um diálogo franco e sincero. Além do mais, a verdadeira unidade não pode ser plena e católica se não formos fieis à Verdade que recebemos dos Apóstolos e dos Padres, e que tende àquela plenitude que Nosso Senhor deseja: que seu Corpo cresça no decurso dos tempos (Cf. Mt 28,19).
Quais os meios para consegui-lo? Em primeiro lugar, com a fé através da oração. Ela deve ter prioridade neste caminho, deve ser um pedido constante em nossa oração: Pai, que todos sejam um (Cf. Jo 17,21), pois nos garante a Escritura: “Tudo o que pedirdes com fé, em oração, vós o recebereis” (Mt 21,22, grifo nosso).
Em segundo lugar, com esperança através da oração. Anelar o desejo de unidade é também afastar de nós os espectros do passado e as recordações dolorosas da separação, porque a “esperança, com efeito, é para nós qual âncora da alma, segura e firme” (Hb 6,18ª, grifo nosso). É esperando contra toda esperança que se alcançam as promessas do Senhor (Cf. Rm 4,18), pois “a esperança não engana” (Rm 5,5a).
Em terceiro lugar, com caridade[1] através da oração. É preciso estar consciente de que o propósito de reconciliar os cristãos na una e única Igreja de Cristo excede as forças e a capacidade humana. Sendo assim, a virtude teologal da fé deve operar através da caridade[2] (Cf. Gl 5,6), pois é a virtude por excelência[3], que edifica[4] e jamais passará[5].
O Senhor enquanto estava neste mundo amou seus discípulos e os amou até o fim (Cf. Jo 13,1), mas não com qualquer amor, mas com amor caridade, isto é, de entrega, de sacrifício de si mesmo, desinteressado, de doação, oblativo: “Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor” (Ef 5,2, grifo nosso).
A caridade por ser uma virtude teologal, trata-se de um dom divino doado a nós: “Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5b)[6]. Por isso, o primeiro fruto que o Espírito concede à Igreja[7] e a cada batizado é a caridade[8]. Portanto, sem um empenho na busca[9] e um desejo ardente de caridade entre nós[10], podemos correr o perigo de enxergar no irmão separado um inimigo a ser abatido, por exemplo. A Verdade sempre, mas nunca sem a Caridade: “Tudo o que fazeis, fazei-o na caridade” (1Cor 16,14, grifo nosso).
Permanecer no amor do Senhor consiste senão em imitar a vida de Cristo em todo o seu proceder, ou seja, o discípulo não possui outra opção senão amar como o Senhor nos amou, pois o modelo referencial é sempre o Senhor: “Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros […] Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,34; 15,12). Sendo assim, a caridade fraterna, o amor de doação, de entrega, não se trata de um conselho, nem um pedido, uma recomendação, uma sugestão ou proposta, mas de uma ordem por parte de Jesus: “O que vos mando é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15,17).
O distintivo do cristão é a caridade fraterna, caridade esta que tem como fonte o próprio Cristo. E mais, será por meio da caridade que o discípulo de Cristo será reconhecido: “Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35).
Tanto é assim que o próprio São Paulo exorta, com veemência, os cristãos a se revestirem da caridade[11] e a tornarem-se “servos uns dos outros pela caridade, porque toda a lei se encerra num só preceito: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 4,13c-14, grifo nosso). A caridade de Cristo é tão desconcertante que o próprio apóstolo afirma: “Caritas enim Christi urget nos” (2Cor 5,14), que pode ser traduzido de diversos modos: nos compele, nos impele, nos constrange, nos impulsiona.
Esta caridade nos retira do nosso egoísmo e nos faz amar e ver no outro o próprio Cristo, porque “Deus nos amou por primeiro” (1Jo 4,19b). Por conseguinte, o desejo dos cristãos não pode ser outro senão estarem “arraigados e consolidados na caridade” (Ef 3,15, grifo nosso), compreendo, “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, isto é, conhecer a caridade de Cristo, que desafia todo o conhecimento, e sejais cheios de toda a plenitude de Deus” (Ef 3,18-19, grifo nosso).
O ecumenismo é um dom do Espírito Santo e para ser posto à serviço da unidade da Igreja, mas se não tivermos a caridade de Cristo poderemos empreender uma obra/iniciativa católica por espírito de competição, vanglória ou partido, levados mais por um zelo superficial do que um amor intenso pela salvação das almas: “Que o Senhor vos faça crescer e avantajar na caridade mútua e para com todos os homens, como é o nosso amor para convosco” (1Ts 3,12, grifo nosso).
Desejamos que este trabalho contribua, dentro da verdade, caridade e equilíbrio doutrinal, a mais exata compreensão dos problemas da união dos cristãos, até que chegue o dia, suspirado, da unidade visível de todos os cristãos, em torno de Cristo e de sua única Igreja. O trabalho intelectual exige conhecimento da doutrina, não com o fim de vencer, mas expor a verdade. Prossigamos a obra de aproximação dos Irmãos separados, com compreensão, paciência e grande caridade; sem nos afastarmos da doutrina católica, pois os que “esperam no Senhor renovam as suas forças” (Is 40,30-31).
Por fim, não se pode falar de Igreja ou da unidade da Igreja se aí não estiver presente a Bem Aventurada Virgem Maria. A Santíssima Virgem além de ser modelo de fé, esperança, caridade e na união com Cristo, é a criatura que participa de modo incomparável e singular no mistério de seu Filho, aquela que esteve no meio dos apóstolos (o próprio coração da Igreja nascente) e na Igreja de todos os tempos dizendo apenas uma coisa: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). A obra de restauração da unidade pode parecer difícil aos olhos humanos, mas com Maria voltamos nosso olhar aos céus e dizemos como o Arcanjo Gabriel: “Porque a Deus nenhuma coisa é impossível” (Lc 1, 37).
Queira Deus abreviar o tempo e o espaço e que Ele conceda a graça da unidade, não obstante séculos de afastamento, rixas e indiferentismo e, algum dia, chegaremos à unidade plena e visível, porque a palavra e o desejo de Nosso Senhor não pode falhar: “Haverá um só rebanho e um só Pastor” (Jo 10,16c).
[1] Daremos preferência ao uso da palavra caridade ao invés do vocábulo amor. Por dois motivos: primeiro, um problema de linguagem, isto é, o termo amor tornou-se uma das palavras mais usadas e abusadas, gerando inúmeras confusões, sofrendo uma perda semântica e a depauperação a respeito do seu real significado. Hoje, para tudo se usa esta palavra e para cada qual frase/contexto ela possui uma significação distinta: amor à pátria, amor aos amigos; amor aos filhos; amor de mãe; amor ao trabalho; amor a Deus e ao próximo etc. Segundo, o termo caridade para um cristão evoca toda uma carga bíblica e significação pujante que a maioria das pessoas desconhece e que difere substancialmente do significado que a ela lhe atribuem.
[2] As citações bíblicas que se seguem são retiradas da tradução Ave Maia para dar maior ênfase
[3] “Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade.” 1Cor 13,13, grifo nosso.
[4] “Porém, a ciência incha, a caridade constrói” 1Coríntios 8,1, grifo nosso.
[5] “A caridade jamais passará” 1Cor 13,8, grifo nosso.
[6] “ὅτι ἡ ἀγἁπη τοὓ θεοὓ”, conforme no grego.
[7] “Rogo-vos, irmãos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e em nome da caridade que é dada pelo Espírito” Rm 15,30.
[8] “Ao contrário, o fruto do Espírito é a caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança.” Gl 5,22-23a.
[9] “Empenhai-vos em procurar a caridade” 1Cor 14,1, grifo nosso.
[10] “Antes de tudo, mantende entre vós uma ardente caridade, porque a caridade cobre uma multidão de pecados” 1Pd 4,8.
[11] “Mas, acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição” Cl 3,14, grifo nosso.