A negação prática da Encarnação

Prof. Carlos Ramalhete

O problema maior do protestantismo é a negação prática da Encarnação do Verbo. O protestante a afirma com a boca, mas a nega em atos e doutrinas. Pela Encarnação do Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fez carne (não mera aparência de carne), e continua até hoje sendo ao mesmo tempo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem.

Quando Deus assumiu a nossa matéria, de uma certa forma toda matéria foi elevada; quando Ele assumiu a nossa natureza, todos os seres humanos foram tornados co-naturais de Deus, ou seja, tendo a mesma natureza que o próprio Salvador (que, repito, jamais a abandonou; não era uma “roupa” de homem, mas sim um ser humano verdadeiro, que ressuscitou e subiu aos Céus). Exatamente como na Antiga Aliança Deus usava de coisas físicas, que, todavia, apenas significavam o que estava por vir em Cristo, na Nova Aliança é ainda por meio de coisas físicas que Deus age: pela água do Batismo, pela vibração do ar das palavras do ministro, por seus gestos, pelas espécies de Pão e Vinho que se tornam seu corpo e seu sangue, etc. Ou seja: o cristianismo é uma religião sacramental (um sacramento é “um sinal visível e eficaz de uma realidade sobrenatural invisível“), em que toda criatura é meio de salvação. Isto, claro, não se resume aos sete sacramentos: a beleza e a ordem da Criação, por exemplo, são caminhos que levam a Deus. E por aí vai.

Já o protestante tenta fugir da matéria, tenta fugir do palpável. Nega (em geral; a coisa mais difícil ao debater com protestantes é descobrir em que é que o cara acredita, porque, normalmente, nem ele sabe muito bem, por nunca ter parado para pensar) que o Batismo seja eficaz (fazendo de alguém filho adotivo de Deus, numa mudança do próprio ser da pessoa), por exemplo, mesmo o ministrando em sua seita. O próprio prédio da seita frequentemente é agressivamente promovido como “não tendo nada de sagrado nele”, e a própria Escritura, parece, seria mais apreciada se fosse feito o download dela pra memória direto, sem precisar do livro físico.

É este medo da Encarnação do Verbo e de Suas consequências que faz com que o protestante tenha enorme dificuldade (mais uma vez, de modo geral; cada crente uma cabeça) em perceber que a ação da Graça sobre nós não é, como dizia Lutero, mera “imputação” mentirosa de uma pureza inexistente (mesmo porque Nosso Senhor é a Verdade, e não poderia mentir!), sim transformação real e paulatina na pessoa, que basicamente, auxiliada pela graça e respondendo-lhe a ela pela aceitação, purificando-se de seus afetos desordenados pela oração, penitência e caridade, vai pouco a pouco (com quedas e retrocessos, claro) se tornando uma pessoa melhor e melhor. E ser uma pessoa melhor é ser como Deus te criou pra ser; e é o mesmo que ser santo. Ao processo de aprimoramento pessoal os latinos chamamos “santificação” (os orientais gregos chamam de “deificação“: mais forte ainda! Ser mais e mais plenamente quem Deus nos criou pra ser, sendo que cada pessoa foi feita por Deus para que seja uma pessoa diferente de todas as outras).

Assim, quando se vê uma rosácea por cima da entrada duma igreja, ela simboliza exatamente isso: No centro Deus, e em volta pessoas que O refletiram (e refletem, porque “o Deus de Abraão, Isaque e Jacó não é um Deus de mortos“) em algum aspecto: São Tomás amou a Sabedoria como Nosso Senhor; São Luís foi justo como Nosso Senhor, São Francisco humilde como Nosso Senhor; Santa Irmã Dulce dedicada aos menores e mais pobres como Nosso Senhor, etc.

Afinal, a Santíssima Trindade é, de uma certa forma, uma família, e baseada no amor. A santificação, destarte, é uma imersão na Santíssima Trindade; a mais perfeita imersão é a realizada pela Santíssima Virgem, que é filha de Deus Pai, mãe de Deus Filho e esposa de Deus Espírito Santo. Mas todos nós, enquanto cristãos, participamos em algum grau da vida trinitária, fazendo assim parte da família de Deus. Nela, os santos são simplesmente nossos irmãos mais velhos, nossos modelos, que têm amor e paciência para conosco e nos orientam na direção correta por suas orações junto a Deus (pois ensina São Paulo que a Fé e a Esperança passam, mas a Caridade não; e é assim que os santos fazem caridade: pedindo a Deus por nós). Não são “superpoderes” deles; ao contrário: o que eles venham a saber lhes vem sempre de Deus, por Deus e em Deus, e toda ação deles consiste em louvar e pedir a Deus no amor. É apenas um modo de difundir e espalhar por toda a família este imenso amor (“caridade” e “amor” são sinônimos) que ao unir o Pai ao Filho pelo Espírito Santo nos une a todos com o Pai no Espírito Santo, por sermos salvos pelo Filho, que assumiu a nossa natureza.

Assim, venerar (jamais adorar!) um santo é venerar a obra que Deus fez nele e o quanto ele reflete a bondade de Deus; não é tão diferente assim de contemplar a beleza de uma paisagem ou um por do sol. A diferença crucial é que o santo, ao invés da paisagem, é um ser humano como nós, que passou por percalços e necessidades como os nossos, e chegou ao fim da corrida. Ele tem como nos ajudar, ao invés da paisagem. Esta ajuda, todavia, só se opera em Deus e por Deus. O maior dos santos, que é Nossa Senhora, está infinitamente mais longe de ser como Deus que um micróbio está longe dela. Para nós, ela está tremendamente acima, mas em relação a Ele, ela está tremendamente abaixo e é completamente dependente d’Ele. Não há confusão possível; se Deus é o sol, ela é a lua que reflete palidamente a luz do astro maior.

É por isso que não faz sentido dizer que “os católicos creem que há santos além de Jesus”. Não é verdade. O Ser Santo de Nosso Senhor é a origem, o fundamento e o que constrói e mantém toda e qualquer outra santidade. Tanto que no Glória (parte da Missa) cantamos “só Vós sois O Santo, só Vós o Senhor”. Os outros apenas participam da santidade d’Ele por graça d’Ele. Se Ele é o fogo, os “demais” santos são objetos aquecidos por Ele.

Aliás, este é outro problema do protestantismo: a dificuldade de perceber tanto a transcendência de Deus quanto a existência de hierarquias em toda a Criação. Com isso, as seitas protestantes comumente se alternam entre o “Jesus meu Amigão” (que arrasta Nosso Senhor pro nível das negas deles) e um “Jesus” que é quase um Alá, tão distante que pode até mesmo odiar bebezinhos recém-nascidos (corolário da dupla predestinação calvinista, uma das heresias mais satânicas jamais inventadas). Mas isso é assunto pra outra hora.

Autor: Prof. Carlos Ramalhete
Revisão: Jeferson Alves

Carlos Ramalhete

Carlos Ramalhete

Deixe um comentário